Caminho de casa
Caminho de casa
Descuido de astronautas torna a vida a bordo da Mir um inferno e pode apressar seu fim
Eurípedes Alcântara
Em condições normais, a vida na Mir, a obsoleta estação orbital russa que dá uma volta em torno da Terra a cada hora e meia, já é um sacrifício. A temperatura não passa de 16 graus Celsius, a qualidade do ar às vezes se deteriora com o acúmulo de gases tóxicos e as noites de sono dos astronautas são interrompidas pelos alarmes e pelo ranger fantasmagórico provocado pela fricção entre as juntas dos diversos módulos da enorme estrutura de alumínio de mais de cem toneladas. Por algumas longas horas, entre quinta e sexta-feira passada, a vida na Mir virou um inferno. Inadvertidamente, um dos três astronautas desligou o cabo de força do computador que estabiliza a estação. Em segundos, a Mir começou a gingar como um coqueiro ao vento, perdeu a orientação e seus painéis solares afastaram-se da posição ideal. Sem a luz direta do sol, as baterias da estação se descarregaram rapidamente, os sistemas vitais foram desligados e os astronautas tiveram de se refugiar na nave Soyuz, uma espécie de bote salva-vidas acoplado à Mir que pode trazê-los de volta à Terra numa emergência incontornável.
Aquilo lá em cima virou um jardim-de-infância, explodiu o russo Vladimir Solovyov, diretor da missão, em Moscou. Na tarde de sexta-feira, quando, depois de uma noite de trabalho, os astronautas conseguiram restabelecer a energia e puderam conversar pelo rádio com o centro de controle, ouviram um rosário de broncas. Foi um erro essencialmente humano, um erro que pode ocorrer em qualquer situação, ponderou o comandante da Mir, Vassili Tsibliiev. Não adiantou. Solo-vyov está convencido de que muitos dos problemas estão sendo provocados por erros dos próprios cosmonautas. Fadiga, tensão e excesso de trabalho não podem ser desculpas, disparou Solovyov. Neste nosso negócio, as condições normais de trabalho são essas. Desde fevereiro, os defeitos da nave e as trapalhadas dos astronautas já provocaram um incêndio, uma falha grave do sistema de resfriamento, uma pane no gerador de oxigênio e o choque de um cargueiro contra a estação.
Estertores O susto da semana passada colocou Tsibliiev, o outro cosmonauta russo a bordo, Alexander Lazutkin e o convidado americano, Michael Foale, em má situação. Resolvido o problema que eles mesmos criaram, os astronautas receberam ordens de descansar por um dia inteiro. Muito provavelmente serão substituídos mais cedo do que o previsto por uma nova tripulação, que vem treinando em terra para consertar os danos estruturais provocados pela trombada com o cargueiro. No auge da crise da semana passada, pensou-se seriamente em evacuar a estação orbital. Teria sido o fim da Mir. A estação, lançada em 1986, nos estertores do regime soviético, não está aparelhada para se manter automaticamente desabitada no espaço. Sem os constantes ajustes de posição e as regulagens de pressurização que os tripulantes executam, a Mir em pouco tempo se tornaria uma mansão mal-assombrada, orbitando a Terra sem condições de abrigar novas equipes de astronautas. Em poucos meses seria atraída pela gravidade e despencaria de sua órbita rumo à superfície da Terra. Muito provavelmente não cairia na cabeça de ninguém pois o alumínio de sua estrutura seria facilmente consumido pelo calor gerado na reentrada na atmosfera. Seria o fim inglório do último suspiro tecnológico do extinto império soviético.
Descuido de astronautas torna a vida a bordo da Mir um inferno e pode apressar seu fim
Eurípedes Alcântara
Em condições normais, a vida na Mir, a obsoleta estação orbital russa que dá uma volta em torno da Terra a cada hora e meia, já é um sacrifício. A temperatura não passa de 16 graus Celsius, a qualidade do ar às vezes se deteriora com o acúmulo de gases tóxicos e as noites de sono dos astronautas são interrompidas pelos alarmes e pelo ranger fantasmagórico provocado pela fricção entre as juntas dos diversos módulos da enorme estrutura de alumínio de mais de cem toneladas. Por algumas longas horas, entre quinta e sexta-feira passada, a vida na Mir virou um inferno. Inadvertidamente, um dos três astronautas desligou o cabo de força do computador que estabiliza a estação. Em segundos, a Mir começou a gingar como um coqueiro ao vento, perdeu a orientação e seus painéis solares afastaram-se da posição ideal. Sem a luz direta do sol, as baterias da estação se descarregaram rapidamente, os sistemas vitais foram desligados e os astronautas tiveram de se refugiar na nave Soyuz, uma espécie de bote salva-vidas acoplado à Mir que pode trazê-los de volta à Terra numa emergência incontornável.
Aquilo lá em cima virou um jardim-de-infância, explodiu o russo Vladimir Solovyov, diretor da missão, em Moscou. Na tarde de sexta-feira, quando, depois de uma noite de trabalho, os astronautas conseguiram restabelecer a energia e puderam conversar pelo rádio com o centro de controle, ouviram um rosário de broncas. Foi um erro essencialmente humano, um erro que pode ocorrer em qualquer situação, ponderou o comandante da Mir, Vassili Tsibliiev. Não adiantou. Solo-vyov está convencido de que muitos dos problemas estão sendo provocados por erros dos próprios cosmonautas. Fadiga, tensão e excesso de trabalho não podem ser desculpas, disparou Solovyov. Neste nosso negócio, as condições normais de trabalho são essas. Desde fevereiro, os defeitos da nave e as trapalhadas dos astronautas já provocaram um incêndio, uma falha grave do sistema de resfriamento, uma pane no gerador de oxigênio e o choque de um cargueiro contra a estação.
Estertores O susto da semana passada colocou Tsibliiev, o outro cosmonauta russo a bordo, Alexander Lazutkin e o convidado americano, Michael Foale, em má situação. Resolvido o problema que eles mesmos criaram, os astronautas receberam ordens de descansar por um dia inteiro. Muito provavelmente serão substituídos mais cedo do que o previsto por uma nova tripulação, que vem treinando em terra para consertar os danos estruturais provocados pela trombada com o cargueiro. No auge da crise da semana passada, pensou-se seriamente em evacuar a estação orbital. Teria sido o fim da Mir. A estação, lançada em 1986, nos estertores do regime soviético, não está aparelhada para se manter automaticamente desabitada no espaço. Sem os constantes ajustes de posição e as regulagens de pressurização que os tripulantes executam, a Mir em pouco tempo se tornaria uma mansão mal-assombrada, orbitando a Terra sem condições de abrigar novas equipes de astronautas. Em poucos meses seria atraída pela gravidade e despencaria de sua órbita rumo à superfície da Terra. Muito provavelmente não cairia na cabeça de ninguém pois o alumínio de sua estrutura seria facilmente consumido pelo calor gerado na reentrada na atmosfera. Seria o fim inglório do último suspiro tecnológico do extinto império soviético.

