O desafio do planeta vermelho
O desafio do planeta vermelho
A viagem a Marte gera mais dúvidas do que certezas
Eurípedes Alcântara, de Nova York
Num dia bonito, a planície marciana Ares Vallis, cujo solo a sonda americana Pathfinder está escarafunchando, pode ter um clima parecido com o de uma madrugada de inverno em Campos do Jordão. Nesta época do ano, porém, Marte está muito frio e mesmo em sua face mais exposta aos raios solares a temperatura da superfície não vai além dos 13 graus Celsius abaixo de zero. Para os instrumentos da estação científica robotizada, comandada por impulsos de rádio enviados do centro de comando da missão em Pasadena, Califórnia, o frio, as lambadas de vento de dióxido de carbono e as tempestades de poeira são transtornos quase imperceptíveis. O grande temor são as erupções magnéticas do Sol, fenômeno tão poderoso que atrapalha até mesmo as comunicações de rádio na Terra e já desorientou meia dúzia de sondas russas e americanas, inutilizando-as em pleno vôo. Para alegria dos técnicos da Nasa, agência espacial dos Estados Unidos que comanda a Pathfinder, até o Sol deu sossego a esta que é a mais bem-sucedida missão a Marte em duas décadas.
Se tudo continuar correndo bem, a Pathfinder e o Sojourner vão trabalhar até meados de agosto, torcia na semana passada Donna Shirley, chefe da equipe da Nasa que monitora a atual missão ao planeta vermelho. O Sojourner, que parece a versão eletrônica da almofada encantada do desenho animado A Bela e a Fera, é o robô sobre rodas que se tornou o primeiro artefato humano a deixar uma trilha na superfície de outro planeta. Quando agosto acabar, as baterias do Sojourner, cujo nome em inglês designa um trabalhador estrangeiro temporário, terão se esgotado, e ele vai ficar ali plantado no vale de aluvião marciano como um monumento ao engenho humano, um símbolo daquela que será conhecida, talvez, como a pré-história da conquista interplanetária. Trabalhando desde sábado retrasado no solo de Marte, o Sojourner estudou cuidadosamente duas rochas. Deve conseguir ainda medir a composição de outras quatro grandes pedras antes de se apagar definitivamente. Ao dar sua missão por encerrada, o que terá obtido o Sojourner? Pelo que produziu até agora, pode-se afirmar com boa dose de certeza que o robô aumentará um pouco o grau de conhecimento dos cientistas sobre o planeta mais próximo da Terra, enquanto catapultará o número de dúvidas e mistérios que envolvem Marte.
O enigma do meteorito A missão já teria pago seu custo se tivesse ajudado a resolver o misterioso caso dos meteoritos conhecidos pela sigla SNC, que a comunidade científica propaga, meio levianamente, ter sido originados de Marte. Num desses meteoritos, encontrado na Antártida, uma equipe de geólogos da Nasa acredita ter detectado sinais fossilizados da presença de atividade bacteriana, ou seja, vida, que teria existido em Marte há cerca de 3,8 bilhões de anos. Caso o robô teleguiado provasse que as pedras do planeta vermelho são idênticas aos meteoritos, já seria meio caminho andado. Ficaria ainda faltando provar que as irregularidades encontradas na pedra são mesmo marcas de bactéria.
Os dados que o Sojourner mandou do espaço, em jorros de sinais de rádio que chegam à Terra no volume de 2,2 quilobits por segundo (velocidade muito semelhante àquela com que a maioria dos internautas brasileiros consegue baixar as páginas da Web em seus computadores);, não são nada animadores neste particular. A composição do solo ao lado da Pathfinder e da primeira rocha examinada pelo Sojourner é bastante diferente da do meteorito da Antártida. A rocha analisada pelo robô é muito mais parecida com uma pedra vulcânica terrestre do que com um meteorito, disse Hap McSween, geólogo da Universidade do Tennessee encarregado de decifrar os dados coletados pelas sondas em Marte. Caso encerrado? Não. Faltam ainda algumas pedras para ser analisadas e pode ser que em uma delas se acabe encontrando algum parentesco com o meteorito da Antártida. Por enquanto, o Sojourner só confundiu. As fotos que o robô mandou também não convenceram plenamente. As imagens de Marte produzidas pelas naves gêmeas americanas Viking 1 e 2, há 21 anos, ainda são insuperáveis em estranhamento e beleza.
Viagem tripulada Uma dezena de missões não tripuladas a Marte parecidas com da Pathfinder devem se seguir, a intervalos de 26 meses cada uma, até o ano 2005 (veja quadro à pág. 40);. Esse intervalo de tempo entre as missões não é aleatório. Ele foi escolhido porque a cada dois anos e pouco as órbitas dos dois planetas se aproximam, o que encurta tremendamente a viagem. Nesses períodos, um foguete da Terra leva apenas cerca de quarenta semanas ou até menos, como foi o caso da Pathfinder, cuja viagem durou sete meses para chegar a Marte. Não deixa de ser um ensaio para uma futura viagem tripulada ao planeta vermelho, que deve ocorrer nas primeiras décadas do próximo século. A heróica permanência de cosmonautas russos na estação orbital Mir, hoje um calhambeque espacial, prova que o ser humano pode suportar a jornada até Marte. O recordista de permanência ininterrupta na Mir, o cosmonauta Valery Polyakov, ficou 438 dias, cerca de 62 semanas, em órbita da Terra, submetido à ausência de peso e à exposição exagerada aos raios cósmicos, que, apesar da blindagem especial das naves espaciais, atingem os viajantes do espaço num ritmo frenético e potencialmente cancerígeno. Quando retornou à Terra, Polyakov, que teve perda muscular e óssea equivalente à de alguém acometido de uma osteoporose branda, precisou de uma semana de fisioterapia para voltar a andar normalmente.
Uma viagem tripulada a Marte renderia um belo espetáculo televisivo. Também sugeriria às gerações de jovens que a aventura humana não tem limite. Do ponto de vista científico, porém, existem sérias contestações a uma missão desse tipo. Basta lembrar que o projeto Apollo, que levou o homem à Lua, em 1969, terminou laconicamente três anos depois por absoluta falta do que fazer na Lua. Os astronautas andaram de jipe, jogaram golfe e até perderam algumas horas numa tentativa estapafúrdia de estabelecer comunicação telepática com uns lunáticos na Terra. Isso num programa que custou quase 100 bilhões de dólares. O projeto Apollo foi uma solução tecnológica para um pesadelo de política externa dos Estados Unidos. Para o governo americano era vital no começo dos anos 60 superar tecnologicamente o império soviético. A pressa e a razão pouco científica do empreendimento acabaram abortando uma outra via para a Lua, idealizada pelo pai da era espacial, o alemão Wernher von Braun. A proposta de Von Braun teria atrasado a conquista do satélite natural da Terra em duas décadas mas, por outro lado, poderia ter custado uma fração e dado frutos mais duradouros.
Estação orbital Von Braun propôs, inutilmente, que todo o esforço dos americanos deveria concentrar-se na construção de uma estação orbital capaz de abrigar dezenas de tripulantes. A estação funcionaria como uma base, onde naves poderiam ser montadas e lançadas rumo à Lua ou a Marte de maneira mais eficiente, constante e barata. A ciência nunca foi o objetivo do programa espacial americano e uma viagem a Marte não seria muito diferente, diz Robert OConnell, astrônomo da Universidade de Virgínia. Os especialistas sugerem, com razão, que uma missão tripulada a Marte só deverá ser tentada num empreendimento que envolva o Japão, a Alemanha, a França e, claro, a Rússia. Sem a gana política de provar sua liderança no espaço, os Estados Unidos estão abrindo cada vez mais seu programa espacial à colaboração internacional. A estação espacial Freedom (Liberdade);, que começará a ser montada no final deste ano, é um exemplo. O Brasil é um dos países do consórcio orbital e contribuirá com o projeto e a fabricação de instrumentos de monitoração da Terra que serão instalados na Freedom.
A frota marciana
As próximas missões previstas para chegar a Marte
As próximas missões previstas para chegar a Marte
1997
Mars Global Surveyor (EUA);
Chegará em setembro e ficará em órbita do planeta
1998
Planet B (Japão);
Será a primeira nave japonesa a ir a outro planeta
Mars Surveyor'98 Orbiter (EUA);
Fará estudos do planeta a partir de uma órbita polar
1999
Mars Surveyor'98 Lander (EUA);
Vai estudar a capa de gelo do Pólo Sul marciano
2001
Mars Surveyor 2001 (EUA);
Parte de um programa da Nasa para lançar uma nave a cada 26 meses em direção a Marte
2003
Mars Surveyor 2003 (EUA);
Permanecerá em órbita pesquisando a atmosfera e a topografia
2005
Mars Surveyor 2005 (EUA);
Será a primeira das naves robotizadas a trazer amostras de solo para a Terra
2012
Missão Tripulada (EUA/Rússia);
Por enquanto, é apenas uma possibilidade. Custaria mais de 2 bilhões de dólares
A viagem a Marte gera mais dúvidas do que certezas
Eurípedes Alcântara, de Nova York
Num dia bonito, a planície marciana Ares Vallis, cujo solo a sonda americana Pathfinder está escarafunchando, pode ter um clima parecido com o de uma madrugada de inverno em Campos do Jordão. Nesta época do ano, porém, Marte está muito frio e mesmo em sua face mais exposta aos raios solares a temperatura da superfície não vai além dos 13 graus Celsius abaixo de zero. Para os instrumentos da estação científica robotizada, comandada por impulsos de rádio enviados do centro de comando da missão em Pasadena, Califórnia, o frio, as lambadas de vento de dióxido de carbono e as tempestades de poeira são transtornos quase imperceptíveis. O grande temor são as erupções magnéticas do Sol, fenômeno tão poderoso que atrapalha até mesmo as comunicações de rádio na Terra e já desorientou meia dúzia de sondas russas e americanas, inutilizando-as em pleno vôo. Para alegria dos técnicos da Nasa, agência espacial dos Estados Unidos que comanda a Pathfinder, até o Sol deu sossego a esta que é a mais bem-sucedida missão a Marte em duas décadas.
Se tudo continuar correndo bem, a Pathfinder e o Sojourner vão trabalhar até meados de agosto, torcia na semana passada Donna Shirley, chefe da equipe da Nasa que monitora a atual missão ao planeta vermelho. O Sojourner, que parece a versão eletrônica da almofada encantada do desenho animado A Bela e a Fera, é o robô sobre rodas que se tornou o primeiro artefato humano a deixar uma trilha na superfície de outro planeta. Quando agosto acabar, as baterias do Sojourner, cujo nome em inglês designa um trabalhador estrangeiro temporário, terão se esgotado, e ele vai ficar ali plantado no vale de aluvião marciano como um monumento ao engenho humano, um símbolo daquela que será conhecida, talvez, como a pré-história da conquista interplanetária. Trabalhando desde sábado retrasado no solo de Marte, o Sojourner estudou cuidadosamente duas rochas. Deve conseguir ainda medir a composição de outras quatro grandes pedras antes de se apagar definitivamente. Ao dar sua missão por encerrada, o que terá obtido o Sojourner? Pelo que produziu até agora, pode-se afirmar com boa dose de certeza que o robô aumentará um pouco o grau de conhecimento dos cientistas sobre o planeta mais próximo da Terra, enquanto catapultará o número de dúvidas e mistérios que envolvem Marte.
O enigma do meteorito A missão já teria pago seu custo se tivesse ajudado a resolver o misterioso caso dos meteoritos conhecidos pela sigla SNC, que a comunidade científica propaga, meio levianamente, ter sido originados de Marte. Num desses meteoritos, encontrado na Antártida, uma equipe de geólogos da Nasa acredita ter detectado sinais fossilizados da presença de atividade bacteriana, ou seja, vida, que teria existido em Marte há cerca de 3,8 bilhões de anos. Caso o robô teleguiado provasse que as pedras do planeta vermelho são idênticas aos meteoritos, já seria meio caminho andado. Ficaria ainda faltando provar que as irregularidades encontradas na pedra são mesmo marcas de bactéria.
Os dados que o Sojourner mandou do espaço, em jorros de sinais de rádio que chegam à Terra no volume de 2,2 quilobits por segundo (velocidade muito semelhante àquela com que a maioria dos internautas brasileiros consegue baixar as páginas da Web em seus computadores);, não são nada animadores neste particular. A composição do solo ao lado da Pathfinder e da primeira rocha examinada pelo Sojourner é bastante diferente da do meteorito da Antártida. A rocha analisada pelo robô é muito mais parecida com uma pedra vulcânica terrestre do que com um meteorito, disse Hap McSween, geólogo da Universidade do Tennessee encarregado de decifrar os dados coletados pelas sondas em Marte. Caso encerrado? Não. Faltam ainda algumas pedras para ser analisadas e pode ser que em uma delas se acabe encontrando algum parentesco com o meteorito da Antártida. Por enquanto, o Sojourner só confundiu. As fotos que o robô mandou também não convenceram plenamente. As imagens de Marte produzidas pelas naves gêmeas americanas Viking 1 e 2, há 21 anos, ainda são insuperáveis em estranhamento e beleza.
Viagem tripulada Uma dezena de missões não tripuladas a Marte parecidas com da Pathfinder devem se seguir, a intervalos de 26 meses cada uma, até o ano 2005 (veja quadro à pág. 40);. Esse intervalo de tempo entre as missões não é aleatório. Ele foi escolhido porque a cada dois anos e pouco as órbitas dos dois planetas se aproximam, o que encurta tremendamente a viagem. Nesses períodos, um foguete da Terra leva apenas cerca de quarenta semanas ou até menos, como foi o caso da Pathfinder, cuja viagem durou sete meses para chegar a Marte. Não deixa de ser um ensaio para uma futura viagem tripulada ao planeta vermelho, que deve ocorrer nas primeiras décadas do próximo século. A heróica permanência de cosmonautas russos na estação orbital Mir, hoje um calhambeque espacial, prova que o ser humano pode suportar a jornada até Marte. O recordista de permanência ininterrupta na Mir, o cosmonauta Valery Polyakov, ficou 438 dias, cerca de 62 semanas, em órbita da Terra, submetido à ausência de peso e à exposição exagerada aos raios cósmicos, que, apesar da blindagem especial das naves espaciais, atingem os viajantes do espaço num ritmo frenético e potencialmente cancerígeno. Quando retornou à Terra, Polyakov, que teve perda muscular e óssea equivalente à de alguém acometido de uma osteoporose branda, precisou de uma semana de fisioterapia para voltar a andar normalmente.
Uma viagem tripulada a Marte renderia um belo espetáculo televisivo. Também sugeriria às gerações de jovens que a aventura humana não tem limite. Do ponto de vista científico, porém, existem sérias contestações a uma missão desse tipo. Basta lembrar que o projeto Apollo, que levou o homem à Lua, em 1969, terminou laconicamente três anos depois por absoluta falta do que fazer na Lua. Os astronautas andaram de jipe, jogaram golfe e até perderam algumas horas numa tentativa estapafúrdia de estabelecer comunicação telepática com uns lunáticos na Terra. Isso num programa que custou quase 100 bilhões de dólares. O projeto Apollo foi uma solução tecnológica para um pesadelo de política externa dos Estados Unidos. Para o governo americano era vital no começo dos anos 60 superar tecnologicamente o império soviético. A pressa e a razão pouco científica do empreendimento acabaram abortando uma outra via para a Lua, idealizada pelo pai da era espacial, o alemão Wernher von Braun. A proposta de Von Braun teria atrasado a conquista do satélite natural da Terra em duas décadas mas, por outro lado, poderia ter custado uma fração e dado frutos mais duradouros.
Estação orbital Von Braun propôs, inutilmente, que todo o esforço dos americanos deveria concentrar-se na construção de uma estação orbital capaz de abrigar dezenas de tripulantes. A estação funcionaria como uma base, onde naves poderiam ser montadas e lançadas rumo à Lua ou a Marte de maneira mais eficiente, constante e barata. A ciência nunca foi o objetivo do programa espacial americano e uma viagem a Marte não seria muito diferente, diz Robert OConnell, astrônomo da Universidade de Virgínia. Os especialistas sugerem, com razão, que uma missão tripulada a Marte só deverá ser tentada num empreendimento que envolva o Japão, a Alemanha, a França e, claro, a Rússia. Sem a gana política de provar sua liderança no espaço, os Estados Unidos estão abrindo cada vez mais seu programa espacial à colaboração internacional. A estação espacial Freedom (Liberdade);, que começará a ser montada no final deste ano, é um exemplo. O Brasil é um dos países do consórcio orbital e contribuirá com o projeto e a fabricação de instrumentos de monitoração da Terra que serão instalados na Freedom.
A frota marciana
As próximas missões previstas para chegar a Marte
As próximas missões previstas para chegar a Marte
1997
Mars Global Surveyor (EUA);
Chegará em setembro e ficará em órbita do planeta
1998
Planet B (Japão);
Será a primeira nave japonesa a ir a outro planeta
Mars Surveyor'98 Orbiter (EUA);
Fará estudos do planeta a partir de uma órbita polar
1999
Mars Surveyor'98 Lander (EUA);
Vai estudar a capa de gelo do Pólo Sul marciano
2001
Mars Surveyor 2001 (EUA);
Parte de um programa da Nasa para lançar uma nave a cada 26 meses em direção a Marte
2003
Mars Surveyor 2003 (EUA);
Permanecerá em órbita pesquisando a atmosfera e a topografia
2005
Mars Surveyor 2005 (EUA);
Será a primeira das naves robotizadas a trazer amostras de solo para a Terra
2012
Missão Tripulada (EUA/Rússia);
Por enquanto, é apenas uma possibilidade. Custaria mais de 2 bilhões de dólares

