A nave pousou
A nave pousou
A chegada da Mars Pathfinder a Marte é o recomeço da aventura humana no espaço
Laurentino Gomes
As primeiras fotografias de Marte enviadas para a Terra, na noite de sexta-feira, pela sonda Mars Pathfinder mostram, em preto-e-branco, um pedaço de torrão ressequido e salpicado de rochas pontiagudas. São imagens pobres para quem está habituado à paisagem exuberante da Terra, mas, ao serem distribuídas instantaneamente pela Nasa, através da Internet, produziram uma onda de emoção ao redor do mundo. Era a confirmação de que, finalmente, a aventura humana estava recomeçando no planeta vermelho. A Pathfinder é o primeiro engenho humano a pousar em Marte depois das missões Viking 1 e 2, de 21 anos atrás. É também a primeira de uma dezena de outras naves que devem fazer o mesmo percurso nos próximos oito anos. Todas têm como missão desvendar os segredos de um planeta que há séculos fascina os seres humanos e vem servindo de tema a uma infinidade de filmes e livros de ficção científica.
A nave americana pousou em Marte por volta das 14 horas de sexta-feira (hora do Brasil);, depois de percorrer 500 milhões de quilômetros no espaço interplanetário. No local escolhido para o pouso, conhecido como Ares Vallis, ainda era noite. Faltavam cerca de três horas para o Sol nascer quando um traço luminoso produzido pela fricção entre o escuro da nave e a tênue atmosfera marciana riscou o céu do planeta. No instante seguinte, um grande pára-quedas se abriu para frear a descida. Ao se aproximar da superfície, a Pathfinder se desprendeu do pára-quedas e, amortecida por gigantescos air bags, despencou de uma altura de 30 metros. Nunca antes uma nave terrestre tinha feito um pouso tão bizarro. Ao bater no solo, os balões que protegiam a sonda fizeram com que ela ricocheteasse a uma altura equivalente à de um edifício de dez andares e continuasse quicando, como um enorme joão-bobo de borracha, até parar totalmente.
Ela está viva Dez minutos mais tarde, uma estação rastreadora da Nasa na Espanha recebeu o sinal de rádio que cientistas em várias partes do mundo estavam esperando ansiosamente. Ele indicava que a sonda tinha pousado em segurança, exatamente da forma prevista antes de sua partida da Terra, sete meses atrás. Ela está viva, festejou Donna Shirley, chefe da equipe da Nasa no centro de comando da missão em Pasadena, na Califórnia. Chegamos lá e tudo funcionou bem. A fase mais fascinante da missão Pathfinder começou na madrugada de sábado, quando um pequeno robô, chamado Sojourner e menor que um triciclo infantil, desceu a rampa da nave para fazer seu primeiro passeio nas imediações. Equipado com uma câmara de televisão, ele vai passar a próxima semana ou enquanto durarem suas baterias solares captando imagens inéditas da superfície marciana.
O Sojourner é uma pequena maravilha da engenharia. Apoiado em seis rodinhas com garras metálicas e suspensão adaptável a qualquer tipo de terreno, é capaz de transpor rochas, valetas, subir em paredes quase verticais e, no caso de uma capotagem acidental, voltar à posição normal por seus próprios meios. A energia captada por um painel solar é armazenada em baterias para tarefas noturnas. Suas manobras são pilotadas da Terra, a mais de 190 milhões de quilômetros de distância, pelo cientista da Nasa Brian Cooper. Para se orientar, Cooper usa óculos tridimensionais com as imagens enviadas ao vivo pela câmara do robô. Minha tarefa é procurar os caminhos mais seguros para lugares onde possam ser feitos experimentos científicos, explica ele.
Rio caudaloso A missão do Sojourner é recolher amostras de solo, analisar sua composição e enviar os dados à Terra. Por essa razão, os cientistas escolheram cuidadosamente o local do pouso da Pathfinder. A região de Ares Vallis aparenta ser o estuário de um rio caudaloso que, há bilhões de anos, corria pela superfície marciana. Pela análise dos sedimentos ali depositados será possível entender melhor a história da formação de Marte e também do sistema solar, incluindo a própria Terra. Em setembro, a Pathfinder e seu pequeno robô vão ganhar a companhia de uma segunda nave americana. A tarefa da Mars Global Surveyor será diferente. Em vez de pousar na superfície marciana, ela permanecerá em órbita coletando dados sobre a composição atmosférica e a topografia do planeta. Uma terceira nave que deveria estar a caminho, a russa Mars 96, se espatifou na costa do Chile minutos depois de decolar, no final do ano passado. Ainda assim, as perspectivas são muito promissoras. Até 2005, a Nasa pretende lançar uma nave em direção a Marte a cada 26 meses. Estamos de volta e, desta vez, para ficar, diz Wesley Huntress, um dos administradores da agência.
As naves-robôs funcionam como um esquadrão precursor para uma missão tripulada até Marte, possivelmente na segunda década do próximo século. Elas também podem ajudar a resolver uma dúvida crucial: existe ou já houve alguma forma de vida em Marte? A questão ganhou interesse renovado depois que, em agosto do ano passado, cientistas da Nasa disseram ter encontrado num meteorito de Marte, achado na Antártida, registros de vida bacteriana. O anúncio provocou reações de entusiasmo no mundo inteiro, mas até hoje é objeto de polêmica entre os cientistas. Muitos acreditam que os sinais observados pelos pesquisadores da Nasa podem ser resultado de processos biológicos ocorridos na própria Terra, depois da queda do meteorito. A controvérsia será definitivamente esclarecida, em favor dos que acreditam na existência de vida fora da Terra, se num dos seus passeios ao redor da Pathfinder o robô Sojourner encontrar sinais semelhantes aos existentes no meteorito. Para muita gente, seria frustrante descobrir que, em vez de homenzinhos verdes, as únicas formas de vida comprovadas em Marte são bactérias microscópicas. Ainda assim, seria um consolo para a enorme solidão humana no cosmo.
De volta ao planeta vermelho
Como foi a viagem da sonda americana e o pouso na superfície de Marte
1 - Lançada da Flórida, no dia 4 de dezembro do ano passado, a Mars Pathfinder viajou 500 milhões de quilômetros em sete meses
2 - Ao se aproximar de Marte, na tarde de sexta-feira, uma blindagem especial protegia a nave contra o atrito na atmosfera marciana
3 - A velocidade, de 7,5 quilômetros por segundo, foi reduzida para 60 metros por segundo com a ajuda de pára-quedas e foguetes
4 - O impacto com a superfície foi amortecido por air bags gigantes, que fizeram a nave quicar como uma bola numa mesa de pingue-pongue
5 - Algumas horas depois do pouso, o robô Sojourner, do tamanho de um forno de microondas, iniciou sua missão, recolhendo amostras de solo que seriam analisadas no minilaboratório da nave
6 - O passeio do robozinho deve durar uma semana e será pilotado, da Terra, por um cientista da Nasa usando óculos tridimensionais com imagens ao vivo de Marte
A chegada da Mars Pathfinder a Marte é o recomeço da aventura humana no espaço
Laurentino Gomes
As primeiras fotografias de Marte enviadas para a Terra, na noite de sexta-feira, pela sonda Mars Pathfinder mostram, em preto-e-branco, um pedaço de torrão ressequido e salpicado de rochas pontiagudas. São imagens pobres para quem está habituado à paisagem exuberante da Terra, mas, ao serem distribuídas instantaneamente pela Nasa, através da Internet, produziram uma onda de emoção ao redor do mundo. Era a confirmação de que, finalmente, a aventura humana estava recomeçando no planeta vermelho. A Pathfinder é o primeiro engenho humano a pousar em Marte depois das missões Viking 1 e 2, de 21 anos atrás. É também a primeira de uma dezena de outras naves que devem fazer o mesmo percurso nos próximos oito anos. Todas têm como missão desvendar os segredos de um planeta que há séculos fascina os seres humanos e vem servindo de tema a uma infinidade de filmes e livros de ficção científica.
A nave americana pousou em Marte por volta das 14 horas de sexta-feira (hora do Brasil);, depois de percorrer 500 milhões de quilômetros no espaço interplanetário. No local escolhido para o pouso, conhecido como Ares Vallis, ainda era noite. Faltavam cerca de três horas para o Sol nascer quando um traço luminoso produzido pela fricção entre o escuro da nave e a tênue atmosfera marciana riscou o céu do planeta. No instante seguinte, um grande pára-quedas se abriu para frear a descida. Ao se aproximar da superfície, a Pathfinder se desprendeu do pára-quedas e, amortecida por gigantescos air bags, despencou de uma altura de 30 metros. Nunca antes uma nave terrestre tinha feito um pouso tão bizarro. Ao bater no solo, os balões que protegiam a sonda fizeram com que ela ricocheteasse a uma altura equivalente à de um edifício de dez andares e continuasse quicando, como um enorme joão-bobo de borracha, até parar totalmente.
Ela está viva Dez minutos mais tarde, uma estação rastreadora da Nasa na Espanha recebeu o sinal de rádio que cientistas em várias partes do mundo estavam esperando ansiosamente. Ele indicava que a sonda tinha pousado em segurança, exatamente da forma prevista antes de sua partida da Terra, sete meses atrás. Ela está viva, festejou Donna Shirley, chefe da equipe da Nasa no centro de comando da missão em Pasadena, na Califórnia. Chegamos lá e tudo funcionou bem. A fase mais fascinante da missão Pathfinder começou na madrugada de sábado, quando um pequeno robô, chamado Sojourner e menor que um triciclo infantil, desceu a rampa da nave para fazer seu primeiro passeio nas imediações. Equipado com uma câmara de televisão, ele vai passar a próxima semana ou enquanto durarem suas baterias solares captando imagens inéditas da superfície marciana.
O Sojourner é uma pequena maravilha da engenharia. Apoiado em seis rodinhas com garras metálicas e suspensão adaptável a qualquer tipo de terreno, é capaz de transpor rochas, valetas, subir em paredes quase verticais e, no caso de uma capotagem acidental, voltar à posição normal por seus próprios meios. A energia captada por um painel solar é armazenada em baterias para tarefas noturnas. Suas manobras são pilotadas da Terra, a mais de 190 milhões de quilômetros de distância, pelo cientista da Nasa Brian Cooper. Para se orientar, Cooper usa óculos tridimensionais com as imagens enviadas ao vivo pela câmara do robô. Minha tarefa é procurar os caminhos mais seguros para lugares onde possam ser feitos experimentos científicos, explica ele.
Rio caudaloso A missão do Sojourner é recolher amostras de solo, analisar sua composição e enviar os dados à Terra. Por essa razão, os cientistas escolheram cuidadosamente o local do pouso da Pathfinder. A região de Ares Vallis aparenta ser o estuário de um rio caudaloso que, há bilhões de anos, corria pela superfície marciana. Pela análise dos sedimentos ali depositados será possível entender melhor a história da formação de Marte e também do sistema solar, incluindo a própria Terra. Em setembro, a Pathfinder e seu pequeno robô vão ganhar a companhia de uma segunda nave americana. A tarefa da Mars Global Surveyor será diferente. Em vez de pousar na superfície marciana, ela permanecerá em órbita coletando dados sobre a composição atmosférica e a topografia do planeta. Uma terceira nave que deveria estar a caminho, a russa Mars 96, se espatifou na costa do Chile minutos depois de decolar, no final do ano passado. Ainda assim, as perspectivas são muito promissoras. Até 2005, a Nasa pretende lançar uma nave em direção a Marte a cada 26 meses. Estamos de volta e, desta vez, para ficar, diz Wesley Huntress, um dos administradores da agência.
As naves-robôs funcionam como um esquadrão precursor para uma missão tripulada até Marte, possivelmente na segunda década do próximo século. Elas também podem ajudar a resolver uma dúvida crucial: existe ou já houve alguma forma de vida em Marte? A questão ganhou interesse renovado depois que, em agosto do ano passado, cientistas da Nasa disseram ter encontrado num meteorito de Marte, achado na Antártida, registros de vida bacteriana. O anúncio provocou reações de entusiasmo no mundo inteiro, mas até hoje é objeto de polêmica entre os cientistas. Muitos acreditam que os sinais observados pelos pesquisadores da Nasa podem ser resultado de processos biológicos ocorridos na própria Terra, depois da queda do meteorito. A controvérsia será definitivamente esclarecida, em favor dos que acreditam na existência de vida fora da Terra, se num dos seus passeios ao redor da Pathfinder o robô Sojourner encontrar sinais semelhantes aos existentes no meteorito. Para muita gente, seria frustrante descobrir que, em vez de homenzinhos verdes, as únicas formas de vida comprovadas em Marte são bactérias microscópicas. Ainda assim, seria um consolo para a enorme solidão humana no cosmo.
De volta ao planeta vermelho
Como foi a viagem da sonda americana e o pouso na superfície de Marte
1 - Lançada da Flórida, no dia 4 de dezembro do ano passado, a Mars Pathfinder viajou 500 milhões de quilômetros em sete meses
2 - Ao se aproximar de Marte, na tarde de sexta-feira, uma blindagem especial protegia a nave contra o atrito na atmosfera marciana
3 - A velocidade, de 7,5 quilômetros por segundo, foi reduzida para 60 metros por segundo com a ajuda de pára-quedas e foguetes
4 - O impacto com a superfície foi amortecido por air bags gigantes, que fizeram a nave quicar como uma bola numa mesa de pingue-pongue
5 - Algumas horas depois do pouso, o robô Sojourner, do tamanho de um forno de microondas, iniciou sua missão, recolhendo amostras de solo que seriam analisadas no minilaboratório da nave
6 - O passeio do robozinho deve durar uma semana e será pilotado, da Terra, por um cientista da Nasa usando óculos tridimensionais com imagens ao vivo de Marte

