Cem anos de Astronáutica
O texto a seguir é um artigo publicado no jornal espanhol "El Mundo" no dia 06/01/2004. Este artigo trata sobre a centenária história da astronáutica e fala sobre um de seus pioneiros, Konstantin Tsiolkovsky. O artigo foi escrito pelo engenheiro aeronáutico Martín J. Camero Castro-Mansilla.
Em 2003, o centenário do primeiro voo controlado do avião dos irmãos Wright, um marco que assinala a origem da aeronáutica, foi amplamente comemorado, mas outro evento foi ignorado: o aniversário dp centenário da publicação de Exploration of Interplanetary Space by Jet Powered Aircraft (Exploração do espaço interplanetário por aeronaves movidas a jato), um ensaio no qual Konstantin Tsiolkovsky, um obscuro mestre-escola russo, "o homem de muitos esforços e poucas recompensas", lançou as bases do voo espacial, dando origem a um novo ramo da ciência: a astronáutica.
Konstantin Eduardovich Tsiolkovsky (1857-1935) nasceu em Izhevskoe, um pequeno vilarejo na província russa de Ryazan, a sudeste de Moscou, o quinto dos 17 filhos de um emigrante polonês. Aos 10 anos de idade, ficou surdo devido à escarlatina. Quatro anos depois, abandonou a escola devido a problemas decorrentes de sua deficiência e, a partir de então, foi completamente autodidata. "Além dos livros, não tive outros professores", escreveria ele anos mais tarde.
Em 1873, aos 16 anos de idade, Tsiolkovsky foi para Moscou com o objetivo de entrar na universidade. Ele nunca conseguiu, pois não passou nos exames de admissão. No entanto, ele não perdeu tempo e estudou matemática, mecânica analítica, astronomia, física, química e literatura clássica por conta própria nas melhores bibliotecas. Em uma delas, conheceu Nikolai Fedorov, um filósofo cuja teoria do cosmismo exerceu profunda influência sobre ele. De acordo com essa teoria, o progresso da ciência levaria a humanidade à perfeição e à imortalidade, e então a população cresceria tanto que seria necessário espalhar-se pelo universo. Daí deriva o objetivo fundamental de Tsiolkovsky, que não é apenas viajar para o espaço, mas habitá-lo criando uma civilização espacial.
O famoso romance de Jules Verne "Da Terra a Lua" (1865) também lhe serviu de inspiração nessa época. Diferentemente de outros pensadores, Tsiolkovsky não só ficou maravilhado com os novos conceitos, como também começou a considerar seriamente os problemas técnicos do voo espacial. Como exemplo, ele demonstrou a impossibilidade de usar um canhão para enviar uma espaçonave à Lua sem que a aceleração do tiro matasse a tripulação.
Em 1876, incapaz de obter uma bolsa de estudos para melhorar suas condições de vida miseráveis, ele deixou Moscou a pedido de seu pai para voltar para sua família. Dois anos depois, qualificou-se como professor e, em 1880, começou a lecionar física e matemática na pequena cidade de Borovsk.
Em 1881, como resultado de seus experimentos, formulou de forma independente a teoria cinética dos gases e enviou os resultados de seu trabalho para a Sociedade Russa de Física e Química em São Petersburgo. Inicialmente, isso foi visto como uma piada, já que a teoria que Tsiolkovsky apresentou como sua já era conhecida há vários anos. Mas assim que o mal-entendido foi esclarecido, Mendeleev, o conhecido criador da tabela periódica dos elementos e então presidente da Sociedade, ficou impressionado com o trabalho de Tsiolkovsky em seu isolamento provinciano e o propôs como membro.
No entanto, esse reconhecimento formal não fez muita diferença na vida do gênio. Ele continuou a fazer experiências com os modestos meios que seu salário de professor lhe permitia e, em 1883, aplicou o princípio de ação e reação pela primeira vez ao movimento de um barril impulsionado pelo gás comprimido em seu interior. Também desse período é seu primeiro artigo importante, Free Space (Espaço livre), um ensaio no qual ele descreve o princípio da reação como a base da operação de foguetes, a importância da exploração espacial para a humanidade e os efeitos do vácuo e da ausência de peso nos futuros astronautas. O manuscrito, que não foi publicado até 1956, também continha uma das primeiras descrições do conceito de uma espaçonave, com detalhes como câmaras de ar para entrada e saída, giroscópios para controle de orientação e astronautas flutuando na ausência de peso.
Tsiolkovsky foi designado para outra escola em Kaluga, a capital da província, onde permaneceu até sua morte em 1935. Lá, ele continuou a trabalhar por conta própria e, em 1894, publicou o artigo Aeroplane or Flying Machine in the Shape of a Bird (Aeroplano ou máquina voadora em forma de pássaro), no qual propôs um projeto para um avião com fuselagem aerodinâmica e totalmente metálica, como os atuais. Durante esses anos, Tsiolkovsky construiu o primeiro túnel de vento da Rússia, e um dos três únicos da Europa, em sua própria casa, e o utilizou amplamente em seus estudos sobre aerodinâmica.
Como outros pioneiros fariam anos depois, Tsiolkovsky também usou a ficção científica como veículo para disseminar suas visões futuristas e, em 1895, publicou o livro Dreams of Earth and Sky (Sonhos da Terra e do Céu), que descrevia em detalhes a vida em futuros assentamentos humanos no espaço.
Em 1898, ele concluiu o projeto de seu primeiro motor de foguete e escreveu um artigo resumindo suas descobertas. O artigo foi publicado em 1903 com o título Exploration of interplanetary space by jet engines (Exploração do espaço interplanetário por motores a jato) na revista científica Nauchnoe Obozrenie. Em seu artigo, ele detalhou a necessidade do uso de motores de foguete como o único meio viável de escapar da atração gravitacional da Terra e estabeleceu claramente o desenvolvimento teórico completo da operação de tal nave, aplicando o princípio de ação e reação (terceira lei de Newton).
Hoje, não há dúvida de que esse trabalho e os que se seguiram formam a primeira proposta cientificamente sólida para a realização prática do voo espacial e, portanto, marcam o nascimento da ciência astronáutica. A relação matemática que ele derivou entre a massa do foguete, que muda à medida que o combustível é consumido, a velocidade dos gases de escape e a velocidade final do foguete é conhecida desde a década de 1920 como a Equação de Tsiolkovsky. Ele também estava certo ao propor o uso de combustível líquido para foguetes espaciais e, entre eles, identificou a combinação de hidrogênio líquido e oxigênio como a mais adequada. A ignição da mistura criaria um fluxo de gás em alta pressão e temperatura, que seria reduzido à medida que ganhasse velocidade por meio de um bocal na cauda do foguete. O jato de gases de escape que sairia em alta velocidade forneceria impulso suficiente para mover o conjunto pela atmosfera em alta velocidade, neutralizando a força da gravidade.
A partir de seu talento visionário, ele desenvolveu toda uma filosofia própria em torno do conceito de exploração espacial, conforme ilustrado por este texto que escreveu em 1911: "Pôr os pés no solo dos asteroides, pegar uma pedra da Lua na mão, construir estações móveis no espaço etéreo, organizar anéis habitados em torno da Terra, da Lua e do Sol, observar Marte a uma distância de poucos quilômetros, descer até seus satélites ou até mesmo em sua própria superfície... o que poderia ser mais tolo! Pelo contrário, é somente quando os dispositivos reativos são usados que uma nova grande era da astronomia terá início: a era do estudo mais intenso dos céus.
Infelizmente, seu artigo mais importante não teve ampla circulação. Aparentemente, na época de sua publicação, o editor havia falecido e a revista estava prestes a fechar, de modo que apenas algumas cópias foram distribuídas, e até mesmo se supôs que o artigo não havia saído da Rússia até que uma cópia foi encontrada na Biblioteca do Congresso na década de 1960. Os detalhes da publicação dessa pedra fundamental da astronáutica tornaram-se importantes pouco tempo depois. A recém-constituída União Soviética não havia prestado muita atenção ao gênio de Kaluga, exceto por uma curta estadia na prisão de Lubyanka sob a acusação de escritos antissoviéticos em 1919, ironicamente seguida por sua nomeação como membro da Academia de Ciências da URSS.
Entretanto, em 1923, um certo alvoroço internacional foi causado pela publicação do livro The Rocket in Interplanetary Space (O foguete no espaço interplanetário) na Alemanha. Seu autor, Hermann Oberth, apresentou suas próprias conclusões sobre o voo espacial, tiradas de forma totalmente independente, mas de acordo com o trabalho de Tsiolkovsky. Em resposta, a imprensa soviética desencadeou uma intensa campanha para promover Tsiolkovsky como o verdadeiro pioneiro da astronáutica, de acordo com a prática soviética da época de achar que o russo era o inventor de tudo, desde o motor a vapor até o rádio. Nessa ocasião, entretanto, eles não estavam errados, e até mesmo o próprio Oberth, o famoso pai da astronáutica alemã e mentor de Von Braun, foi fundamental para obter o reconhecimento internacional de Tsiolkovsky como o verdadeiro fundador da astronáutica.
Após seu reconhecimento pelas autoridades soviéticas, os trabalhos tecnicamente interessantes de Tsiolkovsky foram amplamente publicados e traduzidos, e ele recebeu uma pensão e uma nova casa em Kaluga, que mais tarde se tornou o museu que leva seu nome. Em 1926, Tsiolkovsky publicou um ambicioso programa de 16 pontos pelo qual a humanidade sobreviveria à morte do Sol e colonizaria o universo. Os seis primeiros tratavam da experimentação de foguetes, inicialmente com aviões-foguetes atmosféricos e, mais tarde, com foguetes espaciais, até o lançamento de veículos espaciais tripulados em órbita. Esses seis primeiros pontos provaram ser quase proféticos, pois descrevem muito bem o curso da corrida espacial até a década de 1960.
Os pontos seguintes tratam da experimentação do cultivo de plantas no espaço para produzir alimentos e uma atmosfera respirável, de acordo com a pesquisa atual sobre ecossistemas completamente isolados, e a construção de grandes estações orbitais, autônomas graças a esses cultivos e à energia solar. Os pontos restantes dizem respeito à colonização, primeiro do cinturão de asteroides e depois de todo o Sistema Solar, seguido de toda a galáxia e, por fim, o abandono do Sistema Solar antes da extinção do Sol. Em sua obra seguinte, Space Rocket Trains, publicada em 1929, Tsiolkovsky aprimorou seu projeto de foguete espacial, incorporando o conceito de vários estágios.
De fato, ele havia calculado que, para atingir a velocidade de escape da Terra (8 km/s), um foguete teria que carregar quatro vezes o seu próprio peso em combustível, portanto, seria muito mais eficiente descartar estágios individuais à medida que consumissem o combustível. Tsiolkovsky desenvolveu um conceito de foguete com cerca de 100 metros de comprimento e quatro metros de largura, com 20 estágios de motor único e uma parede dupla feita de três camadas de metal, janelas de quartzo e um revestimento refratário para proteger o conjunto do calor intenso gerado pelo atrito com o ar. Em suma, algo um pouco menor, mas bastante semelhante aos foguetes Saturn V que foram usados para lançar as missões Apollo à Lua no final da década de 1960. Outra de suas muitas visões quase proféticas do futuro da exploração espacial.
Entre 1925 e 1932, escreveu cerca de 60 artigos sobre astronáutica, astronomia, mecânica, física e filosofia. Ele morreu em 19 de setembro de 1935, no mesmo ano em que seu livro On the Moon foi publicado, no qual ele continuou suas pesquisas sobre voos espaciais e refinou o conceito do foguete de vários estágios para alcançar nosso satélite.
Três meses antes de sua morte, ele deu à sua filha um conjunto de escritos filosóficos, que manteve em segredo, resumindo sua filosofia do homem como parte do cosmos e a importância de seu destino inevitável como colonizador do Universo. Esses ensaios só foram publicados em 1992, 57 anos após sua morte, com o título Essays on the Universe (Ensaios sobre o Universo).
Tsiolkovsky foi um visionário que, movido pela certeza de que o propósito da existência humana era ir além do Sistema Solar, dedicou-se de corpo e alma a essa tarefa. É nesse sentido que corre sua frase mais famosa: "A Terra é o berço da razão, mas nem sempre podemos viver no berço", que às vezes tem sido traduzida substituindo "razão" por "humanidade", tornando a citação ainda mais redonda. Provavelmente, no pensamento cosmo-racionalista de Tsiolkovsky, os dois conceitos eram equivalentes.
Em 2003, o centenário do primeiro voo controlado do avião dos irmãos Wright, um marco que assinala a origem da aeronáutica, foi amplamente comemorado, mas outro evento foi ignorado: o aniversário dp centenário da publicação de Exploration of Interplanetary Space by Jet Powered Aircraft (Exploração do espaço interplanetário por aeronaves movidas a jato), um ensaio no qual Konstantin Tsiolkovsky, um obscuro mestre-escola russo, "o homem de muitos esforços e poucas recompensas", lançou as bases do voo espacial, dando origem a um novo ramo da ciência: a astronáutica.
Konstantin Eduardovich Tsiolkovsky (1857-1935) nasceu em Izhevskoe, um pequeno vilarejo na província russa de Ryazan, a sudeste de Moscou, o quinto dos 17 filhos de um emigrante polonês. Aos 10 anos de idade, ficou surdo devido à escarlatina. Quatro anos depois, abandonou a escola devido a problemas decorrentes de sua deficiência e, a partir de então, foi completamente autodidata. "Além dos livros, não tive outros professores", escreveria ele anos mais tarde.
Em 1873, aos 16 anos de idade, Tsiolkovsky foi para Moscou com o objetivo de entrar na universidade. Ele nunca conseguiu, pois não passou nos exames de admissão. No entanto, ele não perdeu tempo e estudou matemática, mecânica analítica, astronomia, física, química e literatura clássica por conta própria nas melhores bibliotecas. Em uma delas, conheceu Nikolai Fedorov, um filósofo cuja teoria do cosmismo exerceu profunda influência sobre ele. De acordo com essa teoria, o progresso da ciência levaria a humanidade à perfeição e à imortalidade, e então a população cresceria tanto que seria necessário espalhar-se pelo universo. Daí deriva o objetivo fundamental de Tsiolkovsky, que não é apenas viajar para o espaço, mas habitá-lo criando uma civilização espacial.
O famoso romance de Jules Verne "Da Terra a Lua" (1865) também lhe serviu de inspiração nessa época. Diferentemente de outros pensadores, Tsiolkovsky não só ficou maravilhado com os novos conceitos, como também começou a considerar seriamente os problemas técnicos do voo espacial. Como exemplo, ele demonstrou a impossibilidade de usar um canhão para enviar uma espaçonave à Lua sem que a aceleração do tiro matasse a tripulação.
Em 1876, incapaz de obter uma bolsa de estudos para melhorar suas condições de vida miseráveis, ele deixou Moscou a pedido de seu pai para voltar para sua família. Dois anos depois, qualificou-se como professor e, em 1880, começou a lecionar física e matemática na pequena cidade de Borovsk.
Em 1881, como resultado de seus experimentos, formulou de forma independente a teoria cinética dos gases e enviou os resultados de seu trabalho para a Sociedade Russa de Física e Química em São Petersburgo. Inicialmente, isso foi visto como uma piada, já que a teoria que Tsiolkovsky apresentou como sua já era conhecida há vários anos. Mas assim que o mal-entendido foi esclarecido, Mendeleev, o conhecido criador da tabela periódica dos elementos e então presidente da Sociedade, ficou impressionado com o trabalho de Tsiolkovsky em seu isolamento provinciano e o propôs como membro.
No entanto, esse reconhecimento formal não fez muita diferença na vida do gênio. Ele continuou a fazer experiências com os modestos meios que seu salário de professor lhe permitia e, em 1883, aplicou o princípio de ação e reação pela primeira vez ao movimento de um barril impulsionado pelo gás comprimido em seu interior. Também desse período é seu primeiro artigo importante, Free Space (Espaço livre), um ensaio no qual ele descreve o princípio da reação como a base da operação de foguetes, a importância da exploração espacial para a humanidade e os efeitos do vácuo e da ausência de peso nos futuros astronautas. O manuscrito, que não foi publicado até 1956, também continha uma das primeiras descrições do conceito de uma espaçonave, com detalhes como câmaras de ar para entrada e saída, giroscópios para controle de orientação e astronautas flutuando na ausência de peso.
Tsiolkovsky foi designado para outra escola em Kaluga, a capital da província, onde permaneceu até sua morte em 1935. Lá, ele continuou a trabalhar por conta própria e, em 1894, publicou o artigo Aeroplane or Flying Machine in the Shape of a Bird (Aeroplano ou máquina voadora em forma de pássaro), no qual propôs um projeto para um avião com fuselagem aerodinâmica e totalmente metálica, como os atuais. Durante esses anos, Tsiolkovsky construiu o primeiro túnel de vento da Rússia, e um dos três únicos da Europa, em sua própria casa, e o utilizou amplamente em seus estudos sobre aerodinâmica.
Como outros pioneiros fariam anos depois, Tsiolkovsky também usou a ficção científica como veículo para disseminar suas visões futuristas e, em 1895, publicou o livro Dreams of Earth and Sky (Sonhos da Terra e do Céu), que descrevia em detalhes a vida em futuros assentamentos humanos no espaço.
Em 1898, ele concluiu o projeto de seu primeiro motor de foguete e escreveu um artigo resumindo suas descobertas. O artigo foi publicado em 1903 com o título Exploration of interplanetary space by jet engines (Exploração do espaço interplanetário por motores a jato) na revista científica Nauchnoe Obozrenie. Em seu artigo, ele detalhou a necessidade do uso de motores de foguete como o único meio viável de escapar da atração gravitacional da Terra e estabeleceu claramente o desenvolvimento teórico completo da operação de tal nave, aplicando o princípio de ação e reação (terceira lei de Newton).
Hoje, não há dúvida de que esse trabalho e os que se seguiram formam a primeira proposta cientificamente sólida para a realização prática do voo espacial e, portanto, marcam o nascimento da ciência astronáutica. A relação matemática que ele derivou entre a massa do foguete, que muda à medida que o combustível é consumido, a velocidade dos gases de escape e a velocidade final do foguete é conhecida desde a década de 1920 como a Equação de Tsiolkovsky. Ele também estava certo ao propor o uso de combustível líquido para foguetes espaciais e, entre eles, identificou a combinação de hidrogênio líquido e oxigênio como a mais adequada. A ignição da mistura criaria um fluxo de gás em alta pressão e temperatura, que seria reduzido à medida que ganhasse velocidade por meio de um bocal na cauda do foguete. O jato de gases de escape que sairia em alta velocidade forneceria impulso suficiente para mover o conjunto pela atmosfera em alta velocidade, neutralizando a força da gravidade.
A partir de seu talento visionário, ele desenvolveu toda uma filosofia própria em torno do conceito de exploração espacial, conforme ilustrado por este texto que escreveu em 1911: "Pôr os pés no solo dos asteroides, pegar uma pedra da Lua na mão, construir estações móveis no espaço etéreo, organizar anéis habitados em torno da Terra, da Lua e do Sol, observar Marte a uma distância de poucos quilômetros, descer até seus satélites ou até mesmo em sua própria superfície... o que poderia ser mais tolo! Pelo contrário, é somente quando os dispositivos reativos são usados que uma nova grande era da astronomia terá início: a era do estudo mais intenso dos céus.
Infelizmente, seu artigo mais importante não teve ampla circulação. Aparentemente, na época de sua publicação, o editor havia falecido e a revista estava prestes a fechar, de modo que apenas algumas cópias foram distribuídas, e até mesmo se supôs que o artigo não havia saído da Rússia até que uma cópia foi encontrada na Biblioteca do Congresso na década de 1960. Os detalhes da publicação dessa pedra fundamental da astronáutica tornaram-se importantes pouco tempo depois. A recém-constituída União Soviética não havia prestado muita atenção ao gênio de Kaluga, exceto por uma curta estadia na prisão de Lubyanka sob a acusação de escritos antissoviéticos em 1919, ironicamente seguida por sua nomeação como membro da Academia de Ciências da URSS.
Entretanto, em 1923, um certo alvoroço internacional foi causado pela publicação do livro The Rocket in Interplanetary Space (O foguete no espaço interplanetário) na Alemanha. Seu autor, Hermann Oberth, apresentou suas próprias conclusões sobre o voo espacial, tiradas de forma totalmente independente, mas de acordo com o trabalho de Tsiolkovsky. Em resposta, a imprensa soviética desencadeou uma intensa campanha para promover Tsiolkovsky como o verdadeiro pioneiro da astronáutica, de acordo com a prática soviética da época de achar que o russo era o inventor de tudo, desde o motor a vapor até o rádio. Nessa ocasião, entretanto, eles não estavam errados, e até mesmo o próprio Oberth, o famoso pai da astronáutica alemã e mentor de Von Braun, foi fundamental para obter o reconhecimento internacional de Tsiolkovsky como o verdadeiro fundador da astronáutica.
Após seu reconhecimento pelas autoridades soviéticas, os trabalhos tecnicamente interessantes de Tsiolkovsky foram amplamente publicados e traduzidos, e ele recebeu uma pensão e uma nova casa em Kaluga, que mais tarde se tornou o museu que leva seu nome. Em 1926, Tsiolkovsky publicou um ambicioso programa de 16 pontos pelo qual a humanidade sobreviveria à morte do Sol e colonizaria o universo. Os seis primeiros tratavam da experimentação de foguetes, inicialmente com aviões-foguetes atmosféricos e, mais tarde, com foguetes espaciais, até o lançamento de veículos espaciais tripulados em órbita. Esses seis primeiros pontos provaram ser quase proféticos, pois descrevem muito bem o curso da corrida espacial até a década de 1960.
Os pontos seguintes tratam da experimentação do cultivo de plantas no espaço para produzir alimentos e uma atmosfera respirável, de acordo com a pesquisa atual sobre ecossistemas completamente isolados, e a construção de grandes estações orbitais, autônomas graças a esses cultivos e à energia solar. Os pontos restantes dizem respeito à colonização, primeiro do cinturão de asteroides e depois de todo o Sistema Solar, seguido de toda a galáxia e, por fim, o abandono do Sistema Solar antes da extinção do Sol. Em sua obra seguinte, Space Rocket Trains, publicada em 1929, Tsiolkovsky aprimorou seu projeto de foguete espacial, incorporando o conceito de vários estágios.
De fato, ele havia calculado que, para atingir a velocidade de escape da Terra (8 km/s), um foguete teria que carregar quatro vezes o seu próprio peso em combustível, portanto, seria muito mais eficiente descartar estágios individuais à medida que consumissem o combustível. Tsiolkovsky desenvolveu um conceito de foguete com cerca de 100 metros de comprimento e quatro metros de largura, com 20 estágios de motor único e uma parede dupla feita de três camadas de metal, janelas de quartzo e um revestimento refratário para proteger o conjunto do calor intenso gerado pelo atrito com o ar. Em suma, algo um pouco menor, mas bastante semelhante aos foguetes Saturn V que foram usados para lançar as missões Apollo à Lua no final da década de 1960. Outra de suas muitas visões quase proféticas do futuro da exploração espacial.
Entre 1925 e 1932, escreveu cerca de 60 artigos sobre astronáutica, astronomia, mecânica, física e filosofia. Ele morreu em 19 de setembro de 1935, no mesmo ano em que seu livro On the Moon foi publicado, no qual ele continuou suas pesquisas sobre voos espaciais e refinou o conceito do foguete de vários estágios para alcançar nosso satélite.
Três meses antes de sua morte, ele deu à sua filha um conjunto de escritos filosóficos, que manteve em segredo, resumindo sua filosofia do homem como parte do cosmos e a importância de seu destino inevitável como colonizador do Universo. Esses ensaios só foram publicados em 1992, 57 anos após sua morte, com o título Essays on the Universe (Ensaios sobre o Universo).
Tsiolkovsky foi um visionário que, movido pela certeza de que o propósito da existência humana era ir além do Sistema Solar, dedicou-se de corpo e alma a essa tarefa. É nesse sentido que corre sua frase mais famosa: "A Terra é o berço da razão, mas nem sempre podemos viver no berço", que às vezes tem sido traduzida substituindo "razão" por "humanidade", tornando a citação ainda mais redonda. Provavelmente, no pensamento cosmo-racionalista de Tsiolkovsky, os dois conceitos eram equivalentes.
















