Após uma decolagem perfeita, brasileiro segue para as estrelas

Dentro da cabine da Soyuz, astronauta exibe bandeira do Brasil

Após uma decolagem perfeita, brasileiro segue para as estrelas
SALVADOR NOGUEIRA
ENVIADO ESPECIAL A BAIKONUR
Um brasileiro atingiu o espaço.
Pode-se até escolher a data histórica: 29 de março pelo horário de Brasília, 30 de março pelo de Baikonur. Mas o fato é que o tenente-coronel Marcos Cesar Pontes já está postado de numa órbita baixa ao redor da Terra, a bordo da nave Soyuz TMA-8.
Junto com seus colegas de tripulação, o russo Pavel Vinogradov e o americano Jeffrey Williams, Pontes já iniciou a caçada à Estação Espacial Internacional, procedimento que leva cerca de dois dias _ou 34 órbitas completas (cada volta dura em média aproximadamente 90 minutos);.
O foguete Soyuz-FG que colocou a nave em órbita, um monstrengo de 39 metros e cerca de 200 toneladas de combustível (querosene e oxigênio líquido);, decolou ontem exatamente conforme as previsões, da mesma plataforma em que, quase 45 anos atrás, subia Yuri Gagarin, primeiro ser humano a ir ao espaço. A subida se deu às 8h30min18s, pelo horário do Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão. Em Brasília, por conta do fuso horário, ainda eram 23h30 do dia anterior.
Nove minutos após o lançamento, veio a confirmação de que a nave havia entrado em órbita, e o controle da missão foi transferido de Baikonur para o centro de Korolev (pronuncia-se "Karalióv");, nos arredores de Moscou.
Ainda durante a subida, pela câmera instalada na cabine da Soyuz, Pontes exibiu a bandeira brasileira em seu traje.
Lula

Surpreendentemente, não houve muitas autoridades de alto escalão do governo brasileiro presentes ao evento. A mais notória foi a do presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira);, Sérgio Gaudenzi. Foi ele o "mentor" da solução de contratar o vôo com os russos para evitar que o astronauta brasileiro terminasse seus dias sem ir ao espaço _fato que era muito provável, caso a única opção fosse uma carona nos ônibus espaciais americanos, colocados em marcha lenta desde o acidente com o Columbia, em 2003.
O custo da missão ao governo brasileiro foi de cerca de US$ 10,5 milhões, além de gastos com o seguro de vida de Pontes e um seguro que garantisse o pagamento de quaisquer danos que o brasileiro pudesse provocar à estação.
O seguro de vida é de R$ 2,5 milhões, e foi oferecido pela Banco do Brasil Seguros gratuitamente à AEB. Em troca, Pontes será garoto-propaganda da seguradora quando voltar à Terra.
Luiz Inácio Lula da Silva acompanhou a decolagem da casa do embaixador chinês em Brasília. "Essa é uma viagem que eu gostaria de fazer", disse o presidente.
Segundo Gaudenzi, o futuro do programa espacial tripulado brasileiro ainda é incerto. "Há contestações de vários países sobre esse projeto da ISS, então neste momento nós vamos esperar um pouco", disse o presidente da AEB. "Se o projeto continuar, devemos abrir novos processos de seleção para astronautas."
Pioneiro na cena

Se faltaram autoridades brasileiras, celebridades do mundo astronáutico apareceram em Baikonur para acompanhar o lançamento. O mais famoso delas é Alexei Leonov, russo responsável pela primeira caminhada espacial da história, em 1965.
Ele não esconde sua simpatia pelo Brasil. "Já nadei muitas vezes em Copacabana, os brasileiros são pessoas muito boas. Pontes é um piloto muito bom", destacou.
A decolagem seguiu o longo ritual russo. Após uma entrevista coletiva à tarde, a tripulação assistiu ao filme "Sol Branco do Deserto", uma obra dos anos 1970 que mostra a consolidação do poder soviético na Ásia. Ele tem sido exibido desde aquela época.
Depois disso, Pontes pôde dormir um pouco. Após o café da manhã, os tripulantes colocaram seus trajes espaciais Sokol e se apresentaram ao comandante da base. Então, deu seu último adeus, antes de embarcar.
A ocasião do lançamento poderia ter perturbado os mais supersticiosos. A tarde do dia 29 foi de eclipse solar em Baikonur. O fenômeno era sinônimo de desgraça entre civilizações antigas
Some-se a isso o fato de que Vinogradov e Williams compõem a Expedição 13 à ISS e o quadro está completo. Para Pontes, no entanto, esses sinais na verdade são de bom agouro. "O eclipse é um momento muito especial que a gente ganhou do Universo", disse, na última entrevista coletiva antes da decolagem da Soyuz.
Williams, falando na seqüência, concordou. "Esse é um exemplo do que fascina as pessoas no espaço. É uma grande ocorrência, que nos lembra que o programa espacial é sobre descobrir coisas novas, explorar o desconhecido."
Tensão familiar

Também estiveram presentes ao lançamento os familiares mais próximos de Pontes: a mulher, Francisca de Fátima, e os dois filhos, Fábio Francisco e Ana Carolina. Eles evitaram falar com a imprensa. Calcule o nervosismo de pensar que pode ser a última vez que você vê um ente querido, dados os riscos envolvidos em qualquer lançamento espacial.
Quando inquirida, Francisca de Fátima apenas se disse muito feliz. "E muito orgulhosa de Pontes, como todos os brasileiros." Ela chorou enquanto o foguete rasgava o céu azul da manhã de Baikonur. E centenas de pessoas crepitaram em aplausos quando da confirmação do sucesso do lançamento.

Com Folha On-Line

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