Astronauta levará micróbio vivo à estação

Arranjo experimental de brasileiros estudará a resistência do DNA de bactérias contra radiação ultravioleta sem a gravidade

Astronauta levará micróbio vivo à estação
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Audaciosamente indo onde nenhum bactéria jamais esteve. Ou melhor, "como" nenhuma bactéria jamais esteve. Uma das novidades de um dos oito experimentos a serem realizados pelo astronauta Marcos Cesar Pontes na ISS (Estação Espacial Internacional); em abril será o envio de bactérias em sua condição natural, crescendo e se multiplicando, já na viagem até a órbita, para investigar como elas "se viram" num ambiente de radiação.
"Normalmente, em experimentos desse tipo, as bactérias são liofilizadas para ir ao espaço. É como se elas estivessem completamente desidratadas, convertidas em um pó", explica Adriano Caldeira de Araújo, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro);, um dos envolvidos na concepção do experimento, em parceria com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais);. O processo de liofilização é rotineiramente usado para evitar o risco de contaminação dos astronautas a bordo, em caso de falha do experimento _providência necessária, já que o organismo em questão, a bactéria Escherichia coli, é um ilustre causador de diarréia.
Desta vez não. As bactérias irão ao espaço como vieram ao mundo. Tudo graças a um aparelho de contenção para impedir qualquer risco, desenvolvido por pesquisadores brasileiros e aprovado para vôo por técnicos russos. "São três níveis de segurança" para impedir um vazamento, explica Araújo.
Dentro do aparelho, várias cepas de bactéria, algumas em sua versão selvagem e outras com mutações, serão expostas a doses de raios ultravioleta, danosos aos organismos vivos. A idéia é verificar como funcionam, em microgravidade, os mecanismos naturais de reparo do DNA, a molécula que carrega os genes da criatura. Quando exposto à radiação, o DNA sofre danos _e as células contra-atacam e corrigem as falhas. Na Terra, o funcionamento desses mecanismos é razoavelmente conhecido. Mas será que tudo é igual sem a gravidade? É atrás desse tipo de resposta que estão os cientistas.
"Esperamos também descobrir se existe algum outro mecanismo de reparo que aqui na Terra não funciona, mas que em microgravidade entre em ação", diz Nasser Ribeiro Asad, da UERJ, outro envolvido com o experimento.
É a segunda vez que os cientistas tentam realizar um vôo com seu equipamento. A primeira tentativa foi no último lançamento do Programa Microgravidade, da AEB (Agência Espacial Brasileira);, com um foguete de sondagem, em 2002. Um problema impediu a recuperação dos experimentos embarcados para análise. A nova oportunidade permitiu que os cientistas ampliassem suas ambições. Agora, em vez de durar alguns minutos, o experimento tomará quatro horas. É uma novidade para os brasileiros, mas não para a comunidade internacional.
Os pesquisadores admitem que vários arranjos experimentais similares já foram feitos em órbita ao longo dos anos. "Mas a coisa é que é difícil reproduzi-los _não surgem muitas oportunidades para lançá-los ao espaço", diz Asad. "Então cada nova tentativa é uma chance de confirmar e validar os resultados anteriores."
Os cientistas também destacam o potencial ganho tecnológico da pesquisa _já planejam pedir o patenteamento do aparelho que desenvolveram e destacam que a tecnologia pode servir também em outros lugares remotos, como a Antártida, dada a portabilidade do sistema (uma caixa de cerca de 20 cm por 15 cm);.
Participação especial
E quanto às chances de sucesso do experimento que voará para a ISS? O que o astronauta Pontes terá de fazer lá em cima para que tudo dê certo? "Ele precisará apenas apertar um botão", diz Asad. "É mais uma das vantagens do nosso sistema. A máquina faz praticamente tudo sozinha."