Mir fica 20 horas sem contato com a Terra

Silêncio de rádio mais longo poderia ter causado a destruição da estação espacial russa, em órbita há quase 15 anos
Mir fica 20 horas sem contato com a Terra
DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

Assim como os gauleses das histórias em quadrinhos, os russos só têm medo de uma coisa: que o céu caia sobre suas cabeças. Ou melhor, que a estação espacial Mir despenque de sua órbita. E, por alguns momentos, o medo se tornou mais do que justificado. Anteontem, a equipe responsável pelo controle da estação perdeu contato com a estrutura por aproximadamente 20 horas.
Se fosse maior, o silêncio poderia ter causado a reentrada da instalação de 140 toneladas na atmosfera da Terra, potencialmente atingindo áreas habitadas.
Seria um fim trágico para a estação , que está desocupada desde junho. Em 1986, quando foi posta em órbita, a Mir tinha vida útil estimada em cinco anos.
Os controladores começaram a suar frio às 18h40 (horário de Moscou); de anteontem, quando não receberam nenhuma resposta da Mir após uma tentativa de contato. Esse procedimento, normalmente feito duas vezes ao dia, é fundamental para manter a estação na órbita correta e seus painéis de energia virados para o Sol.
Após a perda de contato, os russos passaram a fazer novas tentativas de retomar a comunicação a cada 90 minutos. A conexão só foi totalmente restabelecida na tarde de ontem, após 20 horas.
"Ainda não sabemos por que a falha ocorreu", declarou à imprensa Leonid Gorshkov, um projetista da RKK Energia, empresa responsável pela criação da Mir. "Continuaremos examinando as possíveis causas desse defeito", afirmou Gorshkov.
A estação agora está funcionando normalmente. Segundo os controladores, seus sistemas de pressurização, controle de temperatura e energia estão funcionando, o que afasta a possibilidade de que a estação esteja desgovernada. Mas, como não se sabe o que ocorreu, ninguém pode garantir que não vá acontecer de novo.
"Roleta-russa"
Uma perda de contato mais extensa poderia fazer com que os painéis solares perdessem o alinhamento com o Sol, causando um blecaute que provocaria o congelamento dos sistemas.
Sem controle sobre os propulsores que fazem as correções de órbita, a estação começaria a perder altitude e a girar fora de controle em direção à Terra. Uma missão tripulada de emergência passaria por um grande aperto: não seria nada fácil acoplar uma nave a uma estação rodopiando descontroladamente.
Apesar da relutância russa em eliminar o mais importante símbolo do bem-sucedido programa espacial soviético, o governo admite que não restam alternativas.
Além das pressões norte-americanas para que a Rússia devote seus esforços à ISS ( Estação Espacial Internacional );, a agência espacial russa admite não haver recursos para manter a Mir em órbita com segurança. "Não podemos continuar com esse jogo, que eu chamo de roleta-russa", disse o diretor da agência, Yuri Koptev, ao anunciar em novembro a decisão de destruir a estação .
O último incidente, após um ano relativamente livre de problemas, parece indicar que a Mir está mesmo pedindo água. E se a estação quer água, é isso que os russos vão dar a ela. Eles já estão preparando a última missão tripulada à estação , para preparar sua reentrada controlada na atmosfera.
A Mir deve terminar sua jornada em uma região do oceano Pacífico, 1.500 km a leste da Austrália, em fevereiro próximo.
Precedentes
Passado o aperto, o clima está mais ameno, mas o histórico da exploração espacial não joga a favor da Mir. Em 1978, um satélite soviético desprendeu-se da órbita e se espatifou no norte do Canadá. Um ano depois foi a vez dos EUA. O Skylab _a primeira estação americana_ desgovernou e despencou no oeste da Austrália.
Em 1991, pedaços da estação soviética Salyut-7 (a predecessora da Mir); caíram sobre os Andes, na Argentina. O acidente ocorreu justamente depois que o governo russo tentou prolongar a vida útil da instalação.
Parece que dessa vez eles não querem repetir o feito. Resta saber se já não é tarde demais.