Perdidos no espaço

Perdidos no espaço
MARCELO RUBENS PAIVA

A GRANDE novidade do ano é enfim o "ronco dos propulsores'' da Estação Espacial Internacional . A Nasa anuncia, numa jogada de marketing, que sempre haverá um ser humano habitando o espaço a partir dos dias de hoje, um feito histórico.
São 16 países que participam da empreitada, entre eles o "Brasil, il, il...", o único país do continente sul-americano. Sete tripulantes se revezarão lá em cima: três russos, três americanos e um estrangeiro. Um major-aviador da Força Aérea Brasileira, Marcos Pontes, será o nosso major Nelson e irá ao espaço em 2004.
Na sombra das verdadeiras intenções, a construção da estação tem outro propósito _nem o presidente Bill Clinton o escondeu, numa entrevista ao Discovery Channel: manter ocupadas dezenas de milhares de engenheiros russos, que, com a derrocada da União Soviética, receberam o bilhete azul e puderam ser seduzidos por inimigos que ameaçam a segurança nacional ianque.
No reflexo dos fetiches, há a ambição de tornar a espécie humana imortal, já que um asteróide mal-intencionado pode extinguir a nossa raça ao colidir com a Terra, como um deles fez com os coitados dos dinossauros. E sabe-se também que uma galáxia, Andrômeda, viaja em direção à Via Láctea a 300 mil milhas por hora; daqui a 3 bilhões de anos, haverá uma trombada literalmente astronômica. Sem falar que o Sol tem os dias contados.
No rastro dos delírios, os EUA sonham em transformar a ficção de sua poderosa indústria de entretenimento em realidade. Querem ir a Marte e confins, algo improvável com a tecnologia de hoje, como foi a nave de "Jornadas nas Estrelas". Um dos minirrobôs em construção, que auxiliará os cosmonautas da estação , é inspirado na pequena esfera flutuante de "Guerra nas Estrelas".
Só os EUA gastarão US$ 40 bilhões em 15 anos. Os críticos perguntam se essa dinheirama não seria mais útil à espécie humana se fosse aplicada em pesquisas para a cura da Aids ou do câncer. Os defensores da estação informam que, no espaço, sob gravidade zero, ninguém entende bem o porquê, mas há mais possibilidades de fazer experiências com cristais, biomassa e alterações genéticas; portanto talvez esteja lá no alto a cura para tais doenças.
Nessa lambança pseudocientífica, está o "Brasil, il, il...", que não cura a sua mais elementar doença, a desigualdade social. O gigante adormecido quer ser uma grande nação. Sua participação no programa espacial reflete uma de nossas maiores fraquezas: apesar de quase não ter relevância no cenário político e tecnológico internacional , o país quer parecer que tem.
No acordo assinado com a Nasa, temos o direito de fazer uma série de experiências no ambiente de microgravidade e mandar um cosmonauta por três meses, que poderá olhar para a Terra pela janelinha chamada "Worf-2" durante 3% do tempo operacional disponível.
Tomara que esse investimento sirva para aumentar a estima dos brasileiros e não resulte em cobres perdidos no espaço. Na pior das hipóteses, diz o contrato, podemos comercializar esses direitos.
Marcelo Rubens Paiva é escritor, autor de "Feliz Ano Velho", entre outros.