Três homens e um destino

A vida dos cosmonautas da Mir no ano de 1997 não foi nada fácil. Temperaturas baixas, qualidade do ar não muito boa, um barulho constante que dava a impressão de viver num aspirador de pó gigante, noites de sono interrompidas pelos alarmes e o fantasmagórico ranger provocado pela fricção entre as juntas dos diversos módulos da enorme estrutura de alumínio de mais de cem toneladas. Além de estar além de sua vida útil projetada, este ambiente contribuía para deixar as tripulações com fadiga, tensão e excesso de trabalho.

Os defeitos da estação e as trapalhadas da tripulação fizeram deste ano um inferno. Um dos cosmonautas desligou por acidente o cabo de força do computador que controlava a orientação da nave e por causa disso os painéis solares não captaram força para manter todos os sistemas funcionando. Ficaram as escuras. Quando resolveram a desagradável situação e estabeleceram contato com a Terra, tiveram que ouvir uma longa bronca do controle em terra.

O ano de 1997 foi muito tumultuado para a Mir. Em 24 de fevereiro aconteceria um incêndio na estação quando um galão de ar explodiu por defeito de fabricação. Durante um certo tempo, eles tiveram que ficar com máscaras antigás. "Enquanto um acionava o tanque, o outro segurava o extintor”, contou o astronauta americano Jerry Linenger, na Mir desde janeiro. O incêndio demorou 14 minutos para ser contido com um extintor e uma toalha. Para piorar, o fogo bloqueava o único caminho em direção a cápsula Soyuz, a única forma de deixar a estação.

Em março, no dia 6 uma tentativa de receber um novo cargueiro Progress falha. No dia seguinte, os dois sistemas de geração de oxigênio quebraram, obrigando a tripulação a recorrer a galões, que estavam sob suspeita de estar com defeito. Os cosmonautas consertaram um dos sistemas, e um outro foi trazido por uma equipe norte-americana. Um vazamento no sistema de controle de temperatura, em 04 de abril, elevou a temperatura da estação. O líquido anticongelante que vazou pode ser nocivo. O vazamento foi consertado. A tripulação passou dias tossindo, com nariz entupido e olhos lacrimejantes.O vazamento no sistema de controle de temperatura, em abril, danificou também o sistema de purificação de ar. A tripulação recorreu a um sistema alternativo, antes de consertar o original

Mas um dos piores acidentes já acontecidos em órbita estava por acontecer. A tripulação composta pelos russos Tsibliev e Lazutkin, e pelo norte americano Michael Foale sofreram em 25 de junho de 1997 uma colisão com o cargueiro Progress M-34, que despressurizou parte do módulo Spektr e danificou um dos paineis solares. Pela colisão, a tripulação foi multada, pois foram tidos por responsáveis pelo acidente.

O choque com o cargueiro Progress abriu um buraco de 3 centímetros no módulo Spektr e eliminou 40% do suprimento de força da estação. Apesar dos acoplamentos serem automáticos, eles podem ser controlados pela tripulação, e o comanda Vassili Tsibliev fez o cargueiro acidentalmente bater na estação. Como consequencia o módulo atingido é isolado, o módulo Priroda é desligado. e o astronauta norte americano de origem britânica Michael Foale fica sem uma escova de dentes, três tubos de pasta de dentes e um barbeador elétrico.

No dia 3 de julho uma falha no sistema de orientação da Mir no espaço impede que os painéis solares fiquem voltados para o Sol. Apesar de consumirem muito combustível, foguetes auxiliares precisam ser usados para corrigir a posição. No dia 5,Os astronautas ouvem sons de batidas e vêem um vazamento no módulo Spektr danificado. Técnicos dizem não saberem o que vazou, mas afirmam que não é combustível. Mais alguns dias, no dia 14, o O comandante Vassili Tsibliev comunica que está com problema cardiovascular, posteriormente diagnosticado como arritmia cardíaca.

No dia 16, médicos mandam Tsibliev tomar sedativos e remédios para a arritmia e vetam sua participação nos reparos da Mir. Os russos pedem aos americanos que a estação seja comandada pelo norte americano, para poder reparar a estação. A agência espacial russa declina do pedido, então fica acertado que uma nova tripulação vai fazer os reparos

No dia seguinte, um dos tripulantes desconecta do computador central da Mir, por engano, um cabo errado. Isto deixou o diretor de vôo Vladimir Soloviov, cosmonauta da primeira tripulação a viajar para a estação, furioso.

''Você já desligou tudo?'', gritou Soloviov. O ambiente era tenso, mas não havia pânico. A estação ficou as escuras, a tripulação teve que usar lanternas, e a comunicação era apenas a cada hora.''Isto é um jardim-de-infância'', disse Soloviov depois terminar de falar com os tripulantes.

A tripulação voltou no dia 14 de agosto, após ser substituida por uma nova tripulação.O comandante Tsibliev já havia afirmado que havia salvo a vida da tripulação ao evitar uma colisão com o módulo principal. Mas em Terra, os tecnicos disseram que não havia falhas nos sistemas da Mir e da Progress. Até o presidente Yeltsin culpava os cosmonautas.

Como consequencia da falta de energia, a pouca utilização do sistema de do sistema de condensação de umidade do interior da estação diminuiu as reservas de água.

A nova tripulação não conseguiria consertar a estação imediatamente. O computador apresentava problemas e não conseguia orientar os paineis solares na direção do Sol. No dia 19, uma nova falha, desta vez mais grave, deixa a estação totalmente sem controle.

Finalmente, em 06 de setembro, os cosmonautas conseguem sair para reparar a estação. Mas não encontraram furos na parte exterior da estação. Apesar disso, fizeram alguns reparos

Depois de procurar fissuras ou perfurações em cinco pontos diferentes da estrutura da Mir, o russo Anatoli Soloviov e o norte-americano de origem britânica Michael Foale receberam do centro espacial ordem para retornar ao interior da estação. Tres dias depois novamebte o computador daria problemas e deixaria a Mir sem orientação. Apesar deste problema, alguns dias depois o módulo Priroda seria ativado novamente, e os defeitos seriam cada vez menores, deixando de assombrar a venerável estação.

Muitos acidentes ocorreram na Mir, desde banheiros entupidos, incêndios, perda de força e até a estação chegou a ficar totalmente sem controle. Estes problemas ocorriam por 2 motivos principais, o primeiro era que a estação havia sido feita para uma vida útil de 5 anos, a outra é que os russos não tinham dinheiro suficiente para fazer uma manutenção adequada. Nos Estados Unidos, as opiniões se dividiam entre continuar a mandar astronautas para a Mir, ou não. Apesar dos problemas, o programa conjunto continuou até o ano seguinte.

O programa espacial russo também sofria de velhas manias soviéticas, a mania de segredo baniu os manuais impressos e obrigava as tripulações a conhecer todos os procedimentos. Certa vez, durante o ano de 1996, ninguém soube dizer para a tripulação o que era um pedaço de equipamento encontrado dentro da estação.

A mídia não perdia tempo para atacar o maltratado programa espacial russo. Os cosmonautas quando voltaram a Terra disseram que estavam sendo usados como bodes expiatórios pela agência espacial para esconder seus erros. Entre outras coisas, também disseram que havia uma garrafa de conhaque "para os momentos de stress". Tomar conhaque também era um costume de outras tripulações, mesmo antes da Mir. O problema era que os momentos de stress da Mir não foram poucos.

O ano de 1997 termina como um verdadeiro triunfo da resoluta vontade dos tripulantes multinacionais da Mir em não se dobrar frente as duras adversidades da vida no cosmos. Foram duras lições que serviram para preparar melhor os viajantes espaciais para as dificuldades que viriam no futuro.

 

MIR Space Station collision