Mir cai e rebaixa programa espacial russo

Destruição bem-sucedida da estação marca o fim da era de autonomia tecnológica da Rússia diante dos Estados Unidos
Mir cai e rebaixa programa espacial russo
SALVADOR NOGUEIRA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A operação de derrubada da estação Mir ("paz", ou "mundo", em russo); transcorreu sem imprevistos. Os três disparos da nave de carga Progress foram executados conforme o planejado pelo Centro de Controle da Missão. A salva pôs fim ao maior símbolo do programa espacial russo, que se torna agora uma espécie de linha auxiliar do norte-americano.
Depois de pôr o primeiro satélite (Sputnik-1, 1957); e o primeiro homem (Yuri Gagarin, 1961); em órbita, a Rússia chega a 2001 com a missão de levar e buscar cargas e tripulantes para a Estação Espacial Internacional (ISS); _um projeto liderado pelos EUA.
Calcula-se que os destroços tenham caído no oceano Pacífico ontem às 2h58 (horário de Brasília);, 5.800 km a noroeste da Austrália (veja quadro à dir.);. A manobra de derrubada consumiu 5 horas e 27 minutos e foi monitorada por radares de diversos países, exceto nos 40 minutos finais.
A última base a monitorar a Mir foi a do atol de Kwajalein, do Exército norte-americano, nas ilhas Marshall. Mesmo assim, por ter seu alcance limitado pela curvatura da Terra, a instalação não seria capaz de seguir a Mir até o impacto _um "ponto cego" para radares no Pacífico Sul.
Cerca de 25 toneladas (das quase 140 da estação ); devem ter chegado intactas ao oceano, em aproximadamente 1.500 pedaços. Nenhuma área habitada foi atingida. "Estou aliviado", disse David Templeman, da administração de emergências australiana.
Já em Moscou, o sentimento estava mais para a tristeza. "A estação espacial orbital Mir completou seu vôo triunfante, que foi sem precedentes na história da exploração tripulada do espaço e que a humanidade ainda está por apreciar totalmente", ouviu-se nos alto-falantes do centro de controle após a derrubada.
Em um programa de televisão promovido recentemente na Rússia, Yuri Koptev, diretor da Rosaviakosmos (agência espacial russa);, disse que o país continua evoluindo na área, ao abandonar a velha estação e voltar seus esforços e recursos para a ISS.
"Para manter a Mir em órbita teríamos de fazer quatro ou cinco lançamentos por ano, que nos custariam 1,5 bilhão de rublos. Este ano faremos oito ou nove lançamentos para a ISS, que nos custarão 3 bilhões de rublos. Significa que teremos de dobrar nossa atividade no espaço", afirmou.
Visão incompleta
Os números mostram crescimento, mas não dizem tudo. Ao abdicar da Mir, a Rússia está subordinando todo o seu programa espacial tripulado a um projeto internacional que serve, mais que a qualquer outro, aos EUA.
Além disso, a tecnologia de transporte russa (as naves Progress e Soyuz); é obsoleta, se comparada à dos ônibus espaciais. Isso pode relegar a participação russa na estação a um mero serviço de transporte de segunda linha.
Um dos que temem isso é Anatoly Artsebarsky, cosmonauta que serviu na Mir em 1991. "Toda a atividade russa no esquema de trabalho da ISS será resumida a fornecer aos americanos os materiais necessários, operando naves Progress e Soyuz", afirmou.
A verdade é que falta dinheiro aos russos para manter o grau de excelência que marcou a exploração soviética do espaço. Não seria má idéia, assim, abandonar a Mir e investir na ISS, se houvesse paralelamente outros investimentos, para manter a Rússia como força motriz independente na exploração espacial .
A Nasa (agência espacial dos EUA);, por exemplo, concentra muitos de seus recursos no projeto de cooperação internacional , mas realiza também missões exclusivamente americanas.
A Rússia não pode fazer o mesmo. Suas novas sondas não são das mais confiáveis (a última de grande porte, a Mars-96, falhou logo após o lançamento);. Falta dinheiro para aperfeiçoá-las e lançá-las sistematicamente, e a tecnologia de transporte humano e de carga permanece exatamente a mesma de décadas atrás.
A estagnação é a maior ameaça ao futuro russo no espaço. No dia em que as velhas Progress e Soyuz não servirem nem como naves de apoio em projetos internacionais, os russos se lembrarão com nostalgia dos bons tempos da Mir.

Com agências internacionais