O programa lunar soviético - 30 anos depois

Partes de uma matéria escrita no site do jornal "O Estado de São Paulo"

Ao lado de acompanhantes russos, passei por fileiras de radares de rastreamento, tanques enferrujados de oxigênio líquido e querosene rumo à Área 110, construída para ser o palco do maior triunfo espacial soviético, o lançamento de um foguete que levaria o primeiro homem à Lua.

A velha transportadora que levava os foguetes às rampas parecia uma barata metálica de pé. É como se extraterrestres tivessem pousado, construído uma civilização e de repente voltado para o espaço.

Década de romance – Mas Korolev aceitou o desafio e, a exemplo da maioria dos engenheiros, Rauschenbakh aderiu a Korolev. “Depois o espaço viraria só um emprego”, lembrou. “Mas na primeira década era um romance.” Korolev esbarrou mais na resistência dos líderes políticos e militares, com quem disputava recursos do orçamento.

A luta contra o tempo era até mais desgastante do que a briga por dinheiro. Ao contrário dos EUA, a URSS empregava os mesmos engenheiros, fábricas e rampas de lançamento para a corrida armamentista e a corrida espacial. Engenheiros soviéticos estavam ao mesmo tempo esforçando-se para competir com os americanos em mísseis, bombardeiros e caças, além de imaginar empreitadas ais bizarras, como uma estação espacial militar em órbita terrestre.

Em agosto de 1964, o partido formalizou a meta de mandar um homem à Lua. Numa corrida que viria a durar 98 meses, do discurso de Kennedy ao pouso de Armstrong, a União Soviética estava com 39 meses de atraso. Korolev começara tarde. Mas não perdia tempo. Em outubro, começaram as obras em Baikonur.

O mais grave dos quais foi o surgido entre Korolev e o principal produtor de turbinas para grandes foguetes, Valentin Glushko, que precedera Korolev nos campos de trabalhos forçados. Korolev sabia que Glushko fora um dos três colegas que haviam prestado depoimentos contra ele.

No início dos anos 60, Glushko havia desenvolvido uma série de engenhosas turbinas, mas seu combustível era altamente tóxico e, num acidente, mataria os astronautas com gases letais. Korolev insistiu que Glushko projetasse uma turbina mais potente com combustível seguro, mas ele se negou.

Turbinas pequenas – Korolev, então, recorreu a um projetista de turbinas de avião, autor de um projeto tão confiável que duas companhias americanas hoje a importam. Suas turbinas, porém, eram tão pequenas que seriam necessárias 30 para lançar o foguete lunar N-1. Ninguém havia construído um foguete com mais de dez turbinas. Para o foguete de Korolev dar certo, as vibrações das turbinas precisavam ser sincronizadas para impedir trepidações catastróficas. Além do mais, os projetistas precisavam garantir que, no caso de falha de uma das turbinas, sua parceira se desligasse, para preservar o equilíbrio do impulso e impedir que o foguete se

O mais notável deles era Vladimir Chelomei, do Ministério da Aeronáutica. Chelomei passara grande parte da vida produzindo mísseis para os militares e, portanto, viveu e morreu envolto num manto de sigilo. A história de sua participação na corrida espacial foi contada por um de seus maiores projetistas, Vladimir Polyachenko.

Na comunidade de projetistas, Chelomei declarava abertamente seu desprezo pelo foguete de Korolev, de 30 turbinas, dizendo ser quase impossível sincronizar as vibrações de tantas turbinas. Chelomei elaborou uma proposta alternativa pela qual homens viajariam em torno da Lua. A proposta envolvia o uso de um foguete grande e quase perfeito, o Próton, acionado pelas turbinas de combustível tóxico de Glushko. Ele lançaria um grande veículo numa trajetória circunlunar.

Disputa interna – No fim de 1965, uma comissão de especialistas aprovou o plano, que teve o apoio de 47 cientistas. Só três, todos da turma de Korolev, discordaram. Chelomei contratou o filho de Kruchev, Serguei, para o cargo de engenheiro de foguetes. Mas não estava à altura das manobras de Korolev.

Um mês depois que a notícia sobre o programa de Chelomei circulou, Korolev revelou seu último projeto: expandir seu programa incluindo um vôo em torno da Lua – usando um híbrido do foguete auxiliar de Chelomei e seu próprio N-1. A espaçonave de Korolev seria montada no nariz do foguete.

Chelomei acabaria fornecendo o foguete que ia pôr a carga de Korolev em torno da Lua. No fim de 1965, esse plano foi acrescentado ao programa de Korolev e Chelomei praticamente ficou à margem da corrida lunar. Em 1966, as aspirações espaciais da URSS sofreram um duro golpe. Korolev morreu durante uma cirurgia para retirada de um câncer do intestino. Estava com 59 anos. Com a morte, sua identidade foi revelada. Ele está sepultado com outros heróis do Estado soviético na muralha do Kremlin. Deram seu nome a ruas, cidades e até a uma cratera da Lua. A tarefa de continuar a corrida recaiu sobre o vice de Korolev, Vasily Mishin.

“Korolev era um jogador”, contou Serguei Kruchev, que trabalhou para Chelomei. “Ele me disse: ‘Você está trabalhando errado, passo a passo. Eu construo o foguete e aperto o botão.’”

Houve uma última tentativa de roubar o brilho dos EUA quando era iminente o pouso de um americano na Lua. Nos primeiros meses de 1969, uma equipe de engenheiros soviéticos trabalhou quase sem dormir, dando os retoques finais numa sonda não tripulada que, segundo esperavam, pela primeira vez recolheria uma amostra do solo lunar e a traria à Terra. A sonda-robô, chamada Luna, era a 15.ª de uma série. E no dia de sua decolagem, 13 de julho, parecia que todas as falhas haviam sido sanadas. Mas a sonda não conseguiu fazer com que seu equipamento de pouso funcionasse e ainda estava presa à órbita lunar em 20 de julho, quando Neil Armstrong pisou na Lua. No dia seguinte o pequeno robô espatifou-se contra a superfície lunar.

Sucata espacial – Os foguetes N-1 que os soviéticos não dispararam foram desmontados, servindo de sucata. Em toda a base de Baikonur, seus restos foram reciclados, virando caixas de areia em playgrounds, proteção para mesas de piquenique e cochos para porcos. “Nossos líderes não nos deram ouvidos”, disse Mishin, sucessor de Korolev. “Quando dissemos que estávamos preparados para fazer a coisa melhor – mais tarde, porém melhor – que os americanos, eles disseram não.”

Em 1969, uma nova versão do programa N1/L3 foi sugerida. Esta nova versão, utilizaria 2 lançamentos por missão, um para levar diretmente a Lua um lander, o outro para levar os cosmonautas para a Lua. Isto serviria para estabelecer uma base soviética na Lua, depois do término do programa lunar americano Apollo.
Em 1974, foi proposto o LEK, que utilizaria o foguete Vulkan, um poderoso foguete que seria construido no lugar do N1. O Vulkan poderia colocar 200 toneladas em orbita baixa, e poderia levar diretamente para a Lua uma nave lunar e um rover. O programa não foi levado adiante, e o foguete Vulkan acabou se transformando no Energia, utilizado nos anos 80.

Outras idéias foram propostas, como utilizar vários lançamentos de foguetes da família R7 (Soyuz); ou Proton, para montar em órbita terrestre a nave lunar.

 

Soviet N1 Moon Rocket Documentary