O ônibus espacial Buran

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo abordar os principais aspectos deste fantástico programa espacial russo. Foi o mais caro, elaborado e complexo projeto da venerável cosmonáutica russa, mas também o menos conhecido. Vamos conhecer o shuttle russo Buran, e descobrir que sua semelhança com as naves norte americanas pode esconder grandes diferenças.

SOMBRAS DA DERROTA

O projeto teve seu inicio em 1976, mas antes é necessário conhecer um pouco da historia espacial russa do período. Em 1969, a extinta União Soviética foi derrotada na corrida lunar. Como consequência, o programa espacial teve varias modificações. Os soviéticos não enviaram seus homens para a Lua, a sua atenção foi dedicada ao desenvolvimento e trabalho em estações espaciais do tipo Salyut. Isto culminaria no final do século passado na estação espacial Mir, que provou entre outras cosas que o homem poderia resistir no espaço o tempo suficiente para a longe viagem rumo a Marte. A primeira Salyut chegaria ao espaço em 1971, e a sua primeira tripulação voltaria morta para a Terra, graças a um vazamento de ar na cápsula Soyuz, que matou os seus três tripulantes. Um inicio nada promissor.

O programa lunar tripulado foi cancelado em 1974, com o gigantesco foguete N1 nunca fazendo um vôo bem sucedido. Isto era muito ruim, pois era um foguete com capacidade para quase 100 toneladas em órbita baixa, algo muito necessário para as ambições russas. Sem ele, Os soviéticos teriam que empregar foguetes do tipo Proton para levar sus cargas pesadas ao cosmos, mas este foguete tinha a capacidade de levar somente 20 toneladas para a órbita terrestre próxima. Uma missão para a Lua ou Marte, ou até uma estação espacial maior, exigiriam vários vôos do Proton, e a posterior montagem em órbita.

Também nesta época existiam estudos para veículos espaciais reutilizáveis. Dos vários projetos, um que saiu das mesas de desenho e foi testado várias vezes foi o avião espacial do projeto Spiral, uma pequena nave com capacidade para um cosmonauta. Apesar de nunca lançado ao espaço, o Spiral fez muitos testes de aterrisagem, sendo lançado desde aviões e planando até a pista.

Por fim, os militares russos planejavam suas próprias estações espaciais e seus próprios veículos de transporte, as Almaz e TKS, respectivamente. As Almaz militares foram lançadas sob o nome

Salyut-3 e Salyut-5, Os TKS foram testados varias vezes, mas nunca transportaram cosmonautas. Sua forma serviu para os módulos científicos da Mir, bem como do módulo Zarya da Estação Espacial Internacional.

O SPACE SHUTTLE

Voltemos a 1976. Neste ano, os Estados Unidos apresentam ao mundo sua futura nave espacial, o ônibus espacial Enterprise. Um grande veículo reutilizável com capacidade de levar uma grande quantidade de astronautas, cargas, e com capacidade de reparar satélites em órbita e realizar uma vasta gama de missões. O Enterprise nunca chegaria ao espaço, sendo utilizado para testes. O primeiro vôo de um shuttle teria lugar em 12 de abril de 1981, onde dois astronautas levariam o Colúmbia para uma missão de teste de dois dias. Por coincidência, 20 anos antes, Yuri Gagarin seria o primeiro viajante espacial.

Os soviéticos viram que o shuttle norte-americano podia realizar missões militares, e isto não agradou a Moscou. Era necessário dispor de um veículo de mesmas características para competir com a grande nação capitalista. Foi ordenada a construção de um veículo de mesma capacidade. Os técnicos argumentaram que se poderia construir veículos reutilizáveis menores e mais econômicos, mas os militares foram enfáticos. Teria que ser algo da mesma capacidade e ponto final.

Acabamos de descobrir por que o Buran é parecido com o space shuttle norte-americano. A aparência externa do Buran ("Tempestade de Neve" em russo); seria muito semelhante aos shuttles norte americanos, mas isto não faria que a nave estivesse pronta em pouco tempo, pois havia muitos desafios para superar. Não se dispunha de um foguete tão potente como para levar ao espaço uma nave tão pesada, nem a tecnologia indispensável para construir um foguete espacial seguro.

ASAS VERMELHAS

O foguete foi o problema inicial. Os Estados Unidos empregariam dois foguetes de combustível sólido para ajudar durante o lançamento, e um grande tanque de combustível líquido para alimentar ao shuttle, que empregaria seus motores para alcançar a órbita terrestre. Os russos não tinham tanta experiência com combustíveis sólidos, então usaram apenas combustível líquido. Como se necessitava de um foguete de grande capacidade, que pudessem ser empregado em outras missões e não somente para transportar a nave, ela seria transportada ao espaço como uma carga pelo poderoso foguete. Em março de 1978, as especificações para o novo foguete foram aprovadas.

Assim surgiu o foguete Energia. Sua aparência nos faz recordar o sistema que transporta o shuttle ao espaço, mas o conceito é bem diferente. Numa configuração normal, seus oito motores poderiam levar mais de 100 toneladas para a órbita baixa terrestre. Sua corpo principal dispunha de quatro potentes motores criogênicos RD-120, alimentados por hidrogênio e oxigênio líquido.



Para ajudar na decolagem, utilizava quatro foguetes do tipo Zenit, cada um com um motor RD-170 de quatro câmaras. O RD-170 é um dos motores mais poderosos jamais construídos, e funciona utilizando como combustível querosene e oxigênio líquido. O Zenit foi testado pela primeira vez em 1985, é um moderno foguete ucraniano utilizado até hoje. Estes foguetes são utilizados no programa comercial Sea Launch, que lança satélites a partir de uma plataforma flutuante no Oceano Pacífico. O Zenit é um foguete que tem grande parte das tarefas de pré-lançamento feitas de forma automática, exigindo pouca intervenção humana. Por outro lado, versões modificadas dos motores RD-170 equipam os foguetes norte-americanos da série Lockheed Martin Atlas, e vai equipar também os futuros foguetes russos Angara.

Voltando ao foguete Energia, para testar a confiabilidade deste enorme foguete de 60 metros de altura, foram feitas dezenas de testes. Para cada teste de motores era necessário cortar a água da cidade de Leninsk, próxima de Baikonur, durante 10 dias. Isto era para acumular a água necessária para esfriar a plataforma depois de cada teste. Com certeza, para os habitantes de Leninsk os testes não eram nem um pouco agradáveis.

O orbitador (a nave recuperável); foi também outra fonte de dificuldades. Por diferenças na forma de lançamento, a parte traseira seria bem diferente em relação ao shuttle norte americano. Os motores seriam menores, e isto liberava mais espaço para levar e trazer cargas ao espaço. Também a nave devia ter capacidade de manobrar na atmosfera. O shuttle, quando retorna do espaço, volta planando direto para a pista de aterrisagem. Na eventualidade de erros de cálculo, pode sofrer um serio perigo ao tentar aterrisar em outro lugar. Felizmente, isto nunca aconteceu. Como os russos já tiveram varias experiências assim, não se podia deixar este detalhe ao acaso.

Havia ainda o desafio dos sistemas de bordo, a criação de materiais para resistir às violentas temperaturas registradas durante o retorno a Terra, bem como o treinamento das tripulações. O programa Buran ganhou a máxima prioridade, mas os progressos não foram rápidos. A prioridade fez que outros projetos, como o da estação espacial Mir, tivessem que esperar um certo tempo até chegar a hora de ser lançado ao espaço.

Entre os anos de 1982 a 1984, vários vôos suborbitais com naves em escala foram feitos para testar materiais e procedimentos a ser empregados durantes as missões do Buran. Os primeiros vôos tinham o seu final no Oceano Pacífico, onde a marinha soviética resgatava as naves. Isto permitiu que o Ocidente pela primeira vez tivesse contato com as intenções soviéticas de dispor de um veículo espacial recuperável. Estas missões foram chamadas de BOR-4.

Outros testes semelhantes seriam feitos entre 1986 a 1988, pelas naves BOR-5. As tripulações treinariam numa versão especial, denominada Buran Análogo, a partir de 1984. Dispunha de motores próprios para decolar, e servia para treinar o processo de aterrisagem. Do primeiro grupo de cosmonautas treinados, dois seriam enviados ao espaço para ganhar experiência. Eles foram Igor Volk e Anatoly Levchenko.

Do outro lado do atlântico, os norte-americanos mostravam ao mundo a versatilidade do shuttle. As varias missões mostravam uma nave polivalente, seja lançando vários satélites, fazendo reparos de satélites em órbita, experiências a bordo, e várias missões militares, como fazer uma experiência de reflexão de laser como parte do programa Strategic Defense Initiative (SDI);, conhecido melhor como Star Wars, ou Guerra nas Estrelas. O projeto do ambicioso escudo espacial norte-americano anunciado ao mundo em 1984 serviu para dar um empurrão no programa do Buran, que não avançava tão rápido como deveria.

Algo trágico despertaria a atenção mundial. Em 1986, o shuttle Challenger explodiria menos de dois minutos depois do lançamento. Como consequência do acidente, uma moratória de lançamentos seria feita, e a freqüência de vôos seria diminuída. O cronograma de vôos que pretendia fazer dois vôos por mês ficaria reduzido até os dias de hoje a pouco mais de seis ou sete vôos por ano. O acidente serviria para que Moscou tentasse ganhar novamente a dianteira na corrida espacial. Menos de um mês depois do acidente, a estação espacial Mir seria lançada.

Em 1987, o foguete Energia faria o seu primeiro vôo, levando ao espaço o satélite mais pesado já lançado, o Polyus. O Polyus era um enorme satélite militar de 80 toneladas de peso. Nunca foram divulgadas fotos de seu interior ou uma descrição oficial de seus sistemas. O Polyus foi concluído em apenas três anos, muito mais rápido que qualquer outro projeto soviético de semelhante tamanho. O lançamento foi bem sucedido, mas um problema no sistema de orientação do Polyus fez a nave cair na Terra antes de completar sua primeira órbita. Este fracasso não teria nenhuma interferência no prosseguimento do programa Energia/Buran.

Finalmente, depois de 12 anos de trabalhos, os soviéticos seriam testemunhas na manhã de 15 de novembro de 1988 da decolagem de seu space shuttle. Não levava tripulação. Fez um vôo de umas três horas, para um aterrisagem automática e perfeita. O shuttle soviético escrevia a historia. Podia decolar e voltar com total segurança sem tripulação dispunha de uma capacidade de carga melhor, e de um foguete mais potente e mais seguro que o seu similar norte-americano.

Apesar do sucesso deste primeiro vôo, os testes de vários sistemas continuariam em 1989, com os últimos vôos de teste com o Buran Análogo e o teste do assento ejetável K-36RS. Para testar o assento, os soviéticos instalaram o mesmo nos foguetes Soyuz que levavam os cargueiros Progress para a Mir. Depois de um certo tempo após a decolagem, eram ejetados. Em 1990, o laboratório Kristall, enviado para a Mir, levava num extremo um acoplador destinado ao Buran. Isto preparava o caminho para futuros vôos do Buran até a estação espacial, coisa que nunca aconteceu.

Mas o histórico vôo de novembro de 1988 seria o primeiro e único vôo do shuttle. A desintegração da União Soviética no natal de 1991, e a crise econômica que se sucedeu, diminuíram drasticamente os gastos com as atividades espaciais. O programa seria oficialmente cancelado em 1993.



DESCRIÇÃO TÉCNICA DO BURAN

Vida útil - O Buran foi desenhado para realizar como mínimo uns 100 vôos espaciais. Normalmente levaria uma tripulação de quatro pessoas

Revestimento térmico - O Buran durante o seu retorno a Terra estava protegido por 39.000 placas térmicas, individualmente criadas e colocadas. Nas áreas de baixa temperatura, (até 379 °C); seriam utilizadas placas flexíveis de fibra de quartzo sintético. Nas regiões de alta temperatura seriam utilizadas placas cerâmicas que resistiam a temperaturas de +1250 °C. Os compostos de carbono eram empregados no nariz e nas bordas das asas, e resistiam a temperaturas máximas de +1650 °C.Os efeitos do tempo sobre os materiais do escudo térmico protetor foram testados a velocidades de Mach +3, empregando aviões do tipo Il-8 e Mikoyan Mig-25.

As naves Bor-4 foram empregadas para estudar os efeitos da interação entre o plasma gerado durante a reentrada, e os materiais do escudo de proteção térmica do Buran, investigação que não podia ser feita em laboratórios. As naves Bor-4 eram uma versão em escala do avião orbital do projeto SPIRAL. Todos estes testes confirmaram os processos físicos, químicos e catalíticos que ocorrem sobre Os materiais do escudo térmico durante a reentrada, e também serviram para conhecer as condições acústicas durante o lançamento e a reentrada.

Capacidade de carga - Transportando a carga máxima de combustível (14.5 toneladas);, seria possível lançar 27 toneladas de carga numa órbita de 450 km de altura. Adicionando ao compartimento de carga tanques de combustível adicionais, o orbitador poderia efetuar apogeus orbitais de +1000 km.

Peso - A massa nominal ao aterrissar era de 82 toneladas, com uma carga de 15 toneladas. Porem, a massa máxima no momento de aterrisagem poderia ser de 87 toneladas, com uma carga máxima de 20 toneladas.

Tempo em órbita - A duração de um vôo típico era de 10 dias, mas acrescentando provisões e combustível seria possível estender as missões para o máximo de 30 dias. A tripulação não experimentava cargas-G maiores de 3.0 G durante o lançamento, e 1.6 G durante o retorno.

Velocidade ao aterrissar - O Buran tinha um coeficiente de sustentação-arrastro de 1.5 em vôo hipersônico, e de 5.0 em vôo subsônico. Nominalmente tinha uma velocidade de aterrisagem de 312 km/h, sendo que com a carga máximo poderia chegar a 360 km/h. O Buran empregava três paraquedas para frear, sendo de podia frear no espaço de 1100 a 2000 metros.

Cabine - A cabine do Buran tinha um volume total habitável de 73 metros cúbicos, e estava dividida em duas seções, o módulo de comando na parte superior, e o módulo habitável na parte inferior da cabine. O módulo habitável poderia acomodar a oito cosmonautas adicionais. Os cosmonautas utilizariam trajes espaciais Strizh, que em caso de despressurização da cabine, dariam cinco minutos de oxigênio para os cosmonautas.

Compartimento de Cargas - Tinha as dimensões de 18.55 x 4.65 metros

Bloco Base - O Bloco Base tinha a unidade de motores ODU do orbitador, três unidades de energia auxiliar VSU (separados em módulos direito e esquerdo);, o sistema hidráulico, e um compartimento de instrumentos hermeticamente selado.

Asas – A criação das asas esteve a cargo do famoso Instituto Central de Aerohidrodinâmica (TsAGI); de Zhukovsky, Moscou, que fez testes sob todas as condições de velocidade. Tem ângulos de ataque de 45° e 78° respectivamente. O perfil é simétrico. O estabilizador vertical tem um ângulo de ataque de 60°. As características aerodinâmicas do Buran a velocidades hipersônicas, foram validadas por meio da utilização de modelos em escala lançados em vôos suborbitais, estas naves em escala 1:8 foram chamadas de BOR-5. Lançadas em trajetórias suborbitais desde Kapustym Yar, atingiam os 100 km de altura, a velocidades que variavam entre 4000 e 7300 km/s. Estes testes brindavam informações sobre as características de manejo, momento aerodinâmico, e sobre a efetividade do controle da nave desde Mach 1.5 a Mach 17.5.

Materiais estruturais - A estrutura do orbitador foi construída com ligas de alumínio, de uso habitual na aeronáutica. Alguns segmentos da fuselagem foram construídos com alumínio 1163, e a cabina era de alumínio 1205. Também se usou titânio VT23 nas partes da nave submetidas a um grande esforço estrutural. Igualmente se fez uso de materiais compostos, principalmente no compartimento de cargas.

Unidade de Energía Auxiliar - O VSU producía de 17 a 105 kW de potencia, a partir de una turbina de 5500 rpm alimentada por hidracina. A unidad de 235 kg estava provista com unos 180 kg de hidrazina, e o tempo de operação era de 75 minutos, durante as operações de lançamento e aterrisagem.

Unidade de Propulsão Orbital ODU - Composta de dois motores reutilizáveis, capazes de serem ligados várias vezes, de 8800 kgf cada um, criados a partir do motor 11D68, utilizado normalmente na etapa superior do Bloco D do foguete Proton. Estes motores funcionavam a base de oxigênio líquido (não tóxico); e Sintin (querosene sintético);. Para o controle de orientação do orbitador, se dispunha de 38 motores de 400 kgf, mais 8 motores de 20 kgf. O impulso específico destes motores era de 275-295 segundos.

Orientação - O Buran estava equipado com um sistema de controle de vôo redundante (todo tempo); AIK, e uma giro-plataforma. Este sistema de vôo automatizado podia detectar falhas, desviando o controle para equipamentos de reserva caso fosse necessário. Se dispunha de controle manual apenas como "reserva", ou seja, para o caso de falha em todos os sistemas automáticos. Para simular as características de vôo do orbitador foi construído o laboratório voador Tupolev Tu-154LL, este avião foi um elemento chave na criação dos sistemas de aterrisagem automático. O Tu-154LL fez mais de 200 pousos automáticos, 70 deles em Baikonur.

Células de Combustível - Foram construídas pela Ural Oectrochemical Combinat (UEK);, Savchuk. Produziam 30 kW, com una densidade de potencia de 600 w-hr/kg. Eram as primeiras células de combustível operacionais soviéticas, e também foram as primeiras no mundo em usar hidrogênio e oxigênio criogênico de fase crítica.



Desenvolvimento do Buran

Durante o desenvolvimento do foguete Energia, foram construídas mais de 232 módulos de teste experimental. Por outro lado, o Buran exigiu a construção de outros 100 módulos de teste, além de 5 laboratórios voadores, 6 maquetes a escala completa, e 2 maquetes de vôo (OK-ML-1 e OK-MT);.

Os testes de qualidade de sistemas funcionais foram feitos com 780 segmentos individuais de equipamentos e sobre 135 sistemas. Igualmente foram feitos rigorosos testes de qualidade sobre todos os componentes estruturais. Os segmentos estruturais foram testados individualmente e em conjunto. Foram feitos 1000 experimentos de diverso tipo sobre 600 subconjuntos estruturais. Como resultado de este grande trabalho, Os dados de vôo real foram muito próximos aos dados teóricos.

Para testes em túneis de vento, foram construídos 85 modelos em escalas de 1:3 a 1:550, para determinar Os coeficientes aerodinâmicos do veículo em todas as velocidades, a efetividade das superfícies de controle, Os momentos de inércia, e para o estudo da interferência entre o Buran e o foguete Energia durante as fases de lançamento e separação. Com estes módulos forma simulados mais de 39000 lançamentos, a velocidades entre Mach 0.1 a Mach 2. Doze módulos especiais de teste foram construídos para estudar as características da interferência entre o Buran e o Energia. Além disso, foram construídos modelos de estudos hidrodinâmicos e um modelo de estudos acústicos.

Devido à distância do cosmódromo de Baikonur, e a ausência de meios suficientes de transporte, grande parte da montagem final do Energia e do Buran teve que ser feita no próprio cosmódromo. Ao principio do programa, não se dispunha de um veículo de transporte aéreo com grande capacidade de carga. Em seu lugar, foi empregado um avião Myasischev 3M-T (40 toneladas de carga);, que na verdade era um bombardeiro modificado. Mais tarde, o 3M-T foi substituído pelo monstruoso Antonov An-225 Mriya, o maior avião de carga do mundo. Para ajudar no transporte, havia uma grua especial de grande porte para montar/desmontar o Buran sobre estas aeronaves.



Como o transporte aéreo era muito necessário, foi necessário construir um aeroporto, O Aeroporto Yubileyniy (Júbileu, em russo);, foi usado para os pousos do Buran e para os vôos de carga. Localizado a 12 kilometros das plataformas de lançamento, possui um comprimento de 4500 metros por 84 metros de largura. Pode operar com aeronaves de mais de 650 toneladas de peso ao decolar.

MODELOS DE TESTES

Foram construídas seis maquetes e módulos funcionais em escala completa do Buran:

OK-M foi uma maquete destinada a realização de testes de ajuste de peças. Deveria ser a carga do primeiro vôo do foguete Energia, permanecendo fixo em todas as etapas do vôo ao bloco central do foguete. Ao invés disto, terminou seus dias exposto ao ar livre e a intempérie em Baikonur.

Buran BST-02/OK-GLI para testes de vôo horizontal. As siglas de seu nome significam, Bolshoy Samolyot Transporniy (Grande avião de transporte); e Orbitalniy Korabl dlya gorizontalnij Letnij Ispitaniy (Nave orbital para testes em vôo horizontal);. Este "análogo" tinha a mesma aerodinâmica, centro de gravidade e características inerciais do orbitador. A principal diferença era que o análogo estava equipado com quatro turbinas AO-31, as mesmas que equipam o conhecido caça Sukhoi SU-27. Desta forma, o BST-02 podia voar desde aeroportos convencionais, e realizar testes de forma continuada. Foi empregado para por a ponto os sistemas de vôo e de aterrisagem em sus modos manual e automático. Este módulo estava equipado com os mesmos sistemas que o orbitador. É interessante destacar, que às vezes se menciona que o Buran "tinha motores de avião", uma confusão que se origina da existência deste módulo de testes BST-02 análogo. Este Buran análogo foi exposto em Austrália, durante a época das olimpíadas realizadas neste país. No futuro será exposto de forma permanente num museu alemão, o Sinsheim Auto & Technik Museum.



OK-MT para testes de desenvolvimento tecnológico. De acordo com as idéias originais, esta maquete deveria ter sido usada no segundo lançamento do foguete Energia, sendo destruída na atmosfera depois de testar a separação do bloco central.

OK-TVA para testes térmicos e de vibração estática. Se acredita que este módulo é o que se encontra no Parque Gorky, em Moscou, transformado num restaurante.

OK-KS para testes do complexo elétrico e eletrônico do orbitador.

OK-TVI para testes de ambiente em câmara térmica e de vácuo.
Além das maquetes, foram construídas para o programa Buran uma cabine completa em escala real, destinada a realização de testes médico-biológicas e o desenvolvimento de sistemas de suporte de vida. Este módulo incluía o sistema de suporte de vida SZhO. Além disso, foi criado o Simulador de Vôo Horizontal GLI, empregado para aperfeiçoar o software de controle de vôo do orbitador, a medida de que se obtinha nova informação proveniente dos testes em túneis de vento e das naves de teste. Como conseqüência deste trabalho, se melhorou muito os parâmetros reais do pouso.

UM PROJETO GIGANTESCO

Os russos não mediram esforços para criar a infra estrutura necessária para dar o suporte para o seu programa de ônibus espaciais. Apesar de terem sido reciclados todos os elementos empregados no programa lunar N1, foram construídas numerosas "facilidades" para poder realizar a montagem final tanto do Energia como do Buran, cujas partes tinham sido entregues previamente por via aérea o férrea.

Os principais elementos da infraestrutura em Baikonur do programa Energia-Buran eram:


MIK-RN - Era o edifício de montagem do foguete Energia, e tinha sido originalmente construído para a montagem do foguete N1. Tinha dimensões de 190 m x 240 m, e estava dividido em cinco sectores, dois de 27 m de altura, e três com 52 m de altura.

MIK-OK - Era o edifício de montagem do orbitador. Era um novo edifício, 222 m de comprimento, 132 metros de largura, e 30 m de altura. Estava dividido nos seguintes setores ambientalmente controlados: setor de cargas, setor de manutenção do escudo térmico protetor, setor de montagem e desmontagem para testes autônomos de equipamentos, reparo e teste de equipamentos hermeticamente selados, e reparação de motores, e por último, o setor KIS, para diversos testes elétricos.

MZK - Era um novo edifício para a carga de propergois no orbitador e nas cargas, e para testes estáticos verticais do conjunto Energia-Buran. Tinha dimensões 134 m x 74 m, e 58 m de altura.

17P31 UKSS - Era uma enorme e nova construção, que servia como plataforma de lançamento e como módulo de testes. Nestas instalações, o veículo lançador podia realizar prolongadas testes de ativação de seus motores.
Além disso, as plataformas de lançamento e os veículos de transporte por via férrea dos edifícios de montagem até a plataforma, foram todos reaproveitados do fracassado programa lunar N1.

O VÔO DO BURAN
um dos últimos suspiros do império proletário

O lançamento foi programado originalmente para As 7:30 (hora de Moscou); do 29 de outubro de 1988. Durante as operações finais de contagem regressiva, foi registrado um defeito no sistema de ignição, o que obrigou a atrasar o lançamento por quatro horas. Os técnicos chegaram à conclusão de que uma parte do desenho de um dos sistemas da plataforma era inadequada, por isso era necessária sua correção. Isto obrigou a atrasar o lançamento em duas semanas.

Uma segunda tentativa foi programada para o 15 de novembro. Conforme a data do lançamento se aproximava, as condições meteorológicas em Baikonur começaram a piorar. Apesar disto, os diretores da missão decidiram prosseguir com a contagem regressiva, e os técnicos espaciais abandonaram a plataforma à meia noite (hora de Moscou); do dia 15, momento em que começou a carga dos tanques de hidrogênio do corpo principal do foguete Energia. Enquanto isso, os cosmonautas realizaram vôos em aeronaves MIG-25 e Tu-154 para ensaiar manobras de abortagem de lançamento em caso de que ocorresse algum problema durante o lançamento. As 4:49 da madrugada, Os técnicos ativaram o seqüenciador interno de lançamento do Buran, e oito segundos antes do lançamento, os potentes motores do corpo principal do foguete Energia foram ativados, seguidos da ativação dos quatro foguetes laterais auxiliares. Deste modo, o Buran iniciou sua viagem até a órbita terrestre poucos segundos depois das 6:00 horas da manhã, hora de Moscou. Uma nova página na história espacial estava começando a ser escrita.



Dois minutos e 45 segundos depois do lançamento, e a una altitude de 60 kilômetros, os quatro foguetes laterais auxiliares do foguete Energia ficaram sem combustível e foram ejetados. Oito minutos depois do lançamento, a nave tinha alcançado os 160 kilômetros de altitude, se separando do corpo principal do foguete Energia, o qual tinha esgotado todo o seu combustível. Tanto o Buran como o foguete se encontravam numa trajetória suborbital. Dos minutos e meio depois da separação, o Buran utilizou os seus motores de manobra orbital durante 67 segundos, com o propósito de atingir 250 km de altura, e evitar cair em a atmosfera. As 6:47, o Buran se encontrava sobre o Pacífico e ativou pela segunda vez seus motores de manobra orbital durante 42 segundos, o que permitiu entrar numa órbita prevista, de 251 x 263 kilómetros, com 51.6° de inclinação.

O Buran permaneceu durante todo o vôo em comunicação com o Centro de Controle da Missão em Korolev, ao norte de Moscou, através de barcos de rastreamento e satélites. Os russos utilizaram os seus satélites Molniya, Gorizont e Luch, os quais tiveram a função de repetidores entre os navios e o centro de controle da missão.

O orbitador levava em seu compartimento de cargas um módulo denominado 37KB, com peso entre 10 a 11 toneladas, que era una versão modificada do módulo Kvant, da recordada estação espacial Mir. Este módulo tinha diversos instrumentos para medir de forma direta o rendimento geral do orbitador em condições de vôo real no espaço.

Na segunda órbita, quando sobrevoava o Pacífico Sul, o Buran realizou um giro de 180º, orientando a popa na direção do vôo e utilizando seus motores as 8:20 da manhã, hora de Moscou, com o objetivo de diminuir a velocidade e iniciar o regresso.

O veículo espacial começou a sofrer os efeitos do atrito com as camadas altas da atmosfera a uma altitude de 122 kilômetros. A temperatura do exterior do Buran experimentou uma subida crescente até que o shuttle se viu rodeado do plasma gerado pelo calor, o qual provocou uma normal perdida de comunicações com a nave durante 20 minutos. O Buran foi corrigindo sua trajetória com objeto de adquirir o rumo correto que o levaria até a pista de aterrisagem em Baikonur. Finalmente, a as 9:25 da manhã, e a uma velocidade próxima dos 300 kilómetros por hora, o Buran entrava em contato com a pista de aterrisagem. Auxiliado por três paraquedas de frenagem, o veículo espacial foi perdendo velocidade até que finalmente parou, após percorrer uma distância de 1620 metros sobre a pista. As vistorias realizadas depois do vôo mostraram que apenas cinco das 39000 placas de proteção térmica tinham se perdido. A roda dianteira do orbitador tinha se desviado apenas 1 metros e meio do centro da pista.

Tinha sido um vôo fantástico, mas seria o único.



EPÍLOGO

Os custos totais do programa variam de acordo com as fontes, mas as cifras giram entre 12 a 20 bilhões de dólares. O projeto Buran envolveu o trabalho de 1206 sub-contratistas e 100 ministérios governamentais. Um vôo do Buran poderia custar no mínimo 131 milhões de dólares. Para que o leitor tenha uma idéia de como estas cifras são significativas, quando o programa da estação Mir foi iniciado na mesma época, exigia o trabalho de más de 200 técnicos de 20 ministérios.

Como se pode apreciar, a infraestrutura construída para o projete foi verdadeiramente gigantesca. As dificuldades econômicas acabariam com uma nave espacial promissória, pero o destino ainda tinha um golpe mais duro para dar aos russos. O Buran foi destruindo num acidente ocorrido em 12 de maio de 2002, quando o teto do hangar onde estava guardado se desprendeu, destruindo a nave e matando alguns trabalhadores.

Dos primeiros cosmonautas, se guarda a lembrança, seja em monumentos, nomes de ruas o cidades. Da Mir, se guarda lembranças e experiências de 15 anos de uma aventura única na exploração tripulada do espaço. Do Buran, nem sus restos se guardam. Uma infinidade de construções e módulos inacabados servem de testemunhas mudas de um triste final para um ambicioso programa espacial.

O autor desta matéria quer agradecer a Wilfredo Orozco, do site Espacial.org, pelas informações técnicas sobre o projeto Buran.

 

Buran - Lift off