O dia em que a Terra ficou da cor do mar
O texto a seguir é uma reportagem do jornal "O Estado de São Paulo", sobre os 40 anos do primeiro vôo espacial tripulado.
O dia em que a Terra ficou da cor do mar
Há 40 anos, Yuri Gagarin surpreendia a todos ao fazer o anúncio de que a Terra era azul.
Bruno Versolato
Agência Estado
O tempo estava bom. Eram 9h07 do dia 12 de abril de 1961, no cosmódromo de Baikonur, no Casaquistão, quando um sujeito simpático, com um sorriso franco, entrou todo paramentado na nave Vostok 1 para seu primeiro e único vôo espacial. Pouco depois da decolagem, a 327 quilômetros de altura, Yuri Gagarin, por rádio, anunciava para o mundo que a Terra era azul. Foi um voô de 108 minutos, pouco mais que uma viagem de avião entre São Paulo e Salvador. O suficiente para que Gagarin se tornasse o primeiro ser humano a ir para o espaço e fosse rapidamente promovido a superstar.
Aquele dia 12 começou cedo para Gagarin. Às 5h30 ele acordou. Depois de um rápido café-da-manhã, seguiu de ônibus para a base de Baikonur. Pôde ver o disco do Sol se levantando sobre o horizonte gélido de baixios alagados da região. Às 7h10, o Sol já deixara de ser vermelho. Era esbranquiçado e já estava alto quando Gagarin foi introduzido na pequena nave de 2,5 metros de diâmetro. Os últimos ajustes constataram uma falha na vigia da nave. O concerto durou 20 minutos. Às 9h07 os foguetes roncaram em Baikonur e 42 minutos depois, Gagarin se tornou o primeiro homem a escapar da gravidade terrestre.
Gagarin, mais que um cosmonauta, era um viajante solitário, imune aos controles de sua pequena nave. Somente em uma emergência ele abriria um envelope contendo uma série de códigos para que assumisse o controle manual do instrumento. O medo da equipe de solo era que Gagarin se desesperasse e alterasse a órbita da Vostok. A comprovação do medo dos controladores viria mais tarde com Valentina Tereshkova, a primeira mulher astronauta, heroína da era Kruchev, que passou todo seu breve vôo orbital gritando de medo.
Temor
Mais oito minutos e a Votok passava sobre a América. Às 10h02 a Rádio Moscou anunciou oficialmente o lançamento. A notícia estava começando a espalhar-se entre ouvintes espantados quando, às 10h09, Gagarin saiu do lado noturno da Terra. Em menos de três horas, era o seu segundo amanhecer. Os retrofoguetes da Vostok foram acionados às 10h25 e começou a descida. A aproximadamente 4 mil metros de altitude, o assento de Gagarin, equipado com pára-quedas, foi acionado e ele fez uma aterrisagem em separado de sua nave. A informação de que ele desceu de pára-quedas, separadamente, só foi confirmada em 1978, com o livro "Our Gagarin". As autoridades soviéticas temiam que o vôo pudesse ser interpretado como "frustrado".
Virou herói. Endeusado até hoje. No centro de uma praça no Sudoeste de Moscou, há um grande obelisco prateado. No topo está a figura arquetipada de um homem e seu foguete. A praça, é claro, é a Praça Gagarin, o símbolo é a idealização de Yuri, o garoto de fazenda que se tornou cosmonauta, o homem soviético encarnado, filho de um humilde carpinteiro de fazenda coletiva que se graduou em indústrias metalúrgicas e se especializou como moldador. A aviação entrou em sua vida com uma escola de pilotagem e, em 1957, formou-se na Força Aérea. Além disso, o pouco que se sabe de sua vida pessoal é que Gagarin era, obviamente, um russo em seu amor pela vodka. No mito da era Kruchev tomava porres homéricos que quase lhe custaram a vida, quando despencou de bêbado de uma janela em um hotel em Moscou. Na condição de herói, ele teria de falar na convenção do Partido Comunista e precisou ser levado de maca. Somente pôde falar por alguns minutos, embora a ata da reunião conste uma íntegra imensa e falsa de sua participação.
Cosmonauta e seu colega viveram histórias de humilhação durante os treinamentos para missão
Como versão oficial, o corte na testa de Gagarin, conseqüência do acidente, foi fruto de uma queda quando carregava sua filha, ainda bebê. Ao cair, segundo o governo russo, Gagarin protegeu a menina, levando a pior na queda. Mais um ato heróico. As seguidas mentiras começaram a atormentar os chefes russos e durante a glasnost, do presidente Mikhail Gorbachev, as histórias proibidas do projeto espacial russo começaram a ser dissecadas. Foi assim no livro "Red Star in Orbita" (1981);, de James Oberg. O herói também era homem. E mesmo vindo do "império do mal", como a imprensa americana se referia à União Soviética, Gagarin se aproximava bastante dos seus colegas americanos, retratados no livro "Os eleitos", do americano Tom Wolfe.
Qualquer um que se sensibilize com as histórias de humilhação vividas pelos astronautas durante os treinamentos que antecederam as missões Apolo e Germini ficaram igualmente chocados com a história de Gagarin.
Antes da órbita histórica, Gagarin e Ghermam Titov, seu maior rival na exploração espacial russa, tiveram que dormir em camas especialmente preparadas com sensores de movimentos. A idéia era observar quem se mexia menos, devido as dimensões diminutas das primeiras naves espaciais. Gagarin passou a noite em claro e imóvel para evitar o acionamento dos sensores. Entrou em órbita exausto. Depois fez piada. Dizia que Titov não foi o escolhido porque se mexeu na cama. Titov foi para o espaço. Depois de Gagarin, é verdade. Mas foi o primeiro a comprovar que a Terra era azul, com fotos tiradas lá de cima.
O mundo se maravilhou com a descrição de Gagarin e as fotos de Titov. Todos, menos os americanos, que ficaram infelizes com tal constatação. O contra-ataque veio com o vôo suborbital do astronauta Alan Shepard, quase um mês e meio depois em uma viagem menor, mais curta e mais breve que a de Gagarin e foi considerada mais uma derrota dos EUA frente a União Soviética na corrida espacial.
Yuri Gagarin morreu em 27 de março de 1968 em um acidente de avião (treinava num Mig-15);, em circunstâncias que, para muitos, ainda hoje permanece um mistério. (BV);
EUA superados mais uma vez
Moscou - Depois do lançamento do primeiro Sputnik pela União Soviética (URSS);, em 4 de outubro de 1957, os Estados Unidos eram superados uma vez mais na corrida espacial. Seu primeiro astronauta fez apenas um salto de 15 minutos, em 5 de maio seguinte, e teve de esperar até 20 de fevereiro de 1962 para que um americano, John Glenn, realizasse o primeiro vôo orbital (3 voltas); em torno da Terra.
Yuri Gararin realizou seu histórico vôo somente três anos e meio depois do lançamento do primeiro Sputnik. Foi em meados de 1959 que um decreto definiu os critérios de seleção dos cosmonautas, eleitos entre os pilotos da força aérea. Entre 3.000 candidatos, 20 foram selecionados para uma "missão especial". Finalmente, seis deles formaram o núcleo de cosmonautas preparados para voar. Estes viram, no dia 25 de março de 1961, um lançamento na base de Baikonur. Tratava-se de um "ensaio geral": o lançamento de uma nave Vostok (Oriente); que levava a bordo uma cachorrinha e um manequim chamado "Iván Ivanovich".
O vôo foi um sucesso, como o anterior, realizado em 9 de março. Em 3 de abril de 1961, tomou-se a decisão de enviar um homem ao espaço. Menos de três semanas antes do vôo de Gagarin, um dos seis cosmonautas escolhidos, Valentin Bondarenko, morreu durante um treinamento por causa de um incêndio em uma câmara barométrica.
Gagarin, como posteriormente os outros cosmonautas soviéticos, tinha nervos de aço. Antes de partir, inspirado pela leitura de "Os três mosqueteiros", disse a seus colegas: "Um por todos e todos por um". E, no momento do lançamento, ouviram-no dizer o que qualquer russo diz antes de empreender uma viagem: "Poiejali" (em frente);. Com essa viagem, obteve a glória: tanto sua quanto de seu país. Durante as inúmeras viagem que fez depois ao estrangeiro, foi recebido por estadistas e reis e aplaudido por milhões de pessoas.
O dia em que a Terra ficou da cor do mar
Há 40 anos, Yuri Gagarin surpreendia a todos ao fazer o anúncio de que a Terra era azul.
Bruno Versolato
Agência Estado
O tempo estava bom. Eram 9h07 do dia 12 de abril de 1961, no cosmódromo de Baikonur, no Casaquistão, quando um sujeito simpático, com um sorriso franco, entrou todo paramentado na nave Vostok 1 para seu primeiro e único vôo espacial. Pouco depois da decolagem, a 327 quilômetros de altura, Yuri Gagarin, por rádio, anunciava para o mundo que a Terra era azul. Foi um voô de 108 minutos, pouco mais que uma viagem de avião entre São Paulo e Salvador. O suficiente para que Gagarin se tornasse o primeiro ser humano a ir para o espaço e fosse rapidamente promovido a superstar.
Aquele dia 12 começou cedo para Gagarin. Às 5h30 ele acordou. Depois de um rápido café-da-manhã, seguiu de ônibus para a base de Baikonur. Pôde ver o disco do Sol se levantando sobre o horizonte gélido de baixios alagados da região. Às 7h10, o Sol já deixara de ser vermelho. Era esbranquiçado e já estava alto quando Gagarin foi introduzido na pequena nave de 2,5 metros de diâmetro. Os últimos ajustes constataram uma falha na vigia da nave. O concerto durou 20 minutos. Às 9h07 os foguetes roncaram em Baikonur e 42 minutos depois, Gagarin se tornou o primeiro homem a escapar da gravidade terrestre.
Gagarin, mais que um cosmonauta, era um viajante solitário, imune aos controles de sua pequena nave. Somente em uma emergência ele abriria um envelope contendo uma série de códigos para que assumisse o controle manual do instrumento. O medo da equipe de solo era que Gagarin se desesperasse e alterasse a órbita da Vostok. A comprovação do medo dos controladores viria mais tarde com Valentina Tereshkova, a primeira mulher astronauta, heroína da era Kruchev, que passou todo seu breve vôo orbital gritando de medo.
Temor
Mais oito minutos e a Votok passava sobre a América. Às 10h02 a Rádio Moscou anunciou oficialmente o lançamento. A notícia estava começando a espalhar-se entre ouvintes espantados quando, às 10h09, Gagarin saiu do lado noturno da Terra. Em menos de três horas, era o seu segundo amanhecer. Os retrofoguetes da Vostok foram acionados às 10h25 e começou a descida. A aproximadamente 4 mil metros de altitude, o assento de Gagarin, equipado com pára-quedas, foi acionado e ele fez uma aterrisagem em separado de sua nave. A informação de que ele desceu de pára-quedas, separadamente, só foi confirmada em 1978, com o livro "Our Gagarin". As autoridades soviéticas temiam que o vôo pudesse ser interpretado como "frustrado".
Virou herói. Endeusado até hoje. No centro de uma praça no Sudoeste de Moscou, há um grande obelisco prateado. No topo está a figura arquetipada de um homem e seu foguete. A praça, é claro, é a Praça Gagarin, o símbolo é a idealização de Yuri, o garoto de fazenda que se tornou cosmonauta, o homem soviético encarnado, filho de um humilde carpinteiro de fazenda coletiva que se graduou em indústrias metalúrgicas e se especializou como moldador. A aviação entrou em sua vida com uma escola de pilotagem e, em 1957, formou-se na Força Aérea. Além disso, o pouco que se sabe de sua vida pessoal é que Gagarin era, obviamente, um russo em seu amor pela vodka. No mito da era Kruchev tomava porres homéricos que quase lhe custaram a vida, quando despencou de bêbado de uma janela em um hotel em Moscou. Na condição de herói, ele teria de falar na convenção do Partido Comunista e precisou ser levado de maca. Somente pôde falar por alguns minutos, embora a ata da reunião conste uma íntegra imensa e falsa de sua participação.
Cosmonauta e seu colega viveram histórias de humilhação durante os treinamentos para missão
Como versão oficial, o corte na testa de Gagarin, conseqüência do acidente, foi fruto de uma queda quando carregava sua filha, ainda bebê. Ao cair, segundo o governo russo, Gagarin protegeu a menina, levando a pior na queda. Mais um ato heróico. As seguidas mentiras começaram a atormentar os chefes russos e durante a glasnost, do presidente Mikhail Gorbachev, as histórias proibidas do projeto espacial russo começaram a ser dissecadas. Foi assim no livro "Red Star in Orbita" (1981);, de James Oberg. O herói também era homem. E mesmo vindo do "império do mal", como a imprensa americana se referia à União Soviética, Gagarin se aproximava bastante dos seus colegas americanos, retratados no livro "Os eleitos", do americano Tom Wolfe.
Qualquer um que se sensibilize com as histórias de humilhação vividas pelos astronautas durante os treinamentos que antecederam as missões Apolo e Germini ficaram igualmente chocados com a história de Gagarin.
Antes da órbita histórica, Gagarin e Ghermam Titov, seu maior rival na exploração espacial russa, tiveram que dormir em camas especialmente preparadas com sensores de movimentos. A idéia era observar quem se mexia menos, devido as dimensões diminutas das primeiras naves espaciais. Gagarin passou a noite em claro e imóvel para evitar o acionamento dos sensores. Entrou em órbita exausto. Depois fez piada. Dizia que Titov não foi o escolhido porque se mexeu na cama. Titov foi para o espaço. Depois de Gagarin, é verdade. Mas foi o primeiro a comprovar que a Terra era azul, com fotos tiradas lá de cima.
O mundo se maravilhou com a descrição de Gagarin e as fotos de Titov. Todos, menos os americanos, que ficaram infelizes com tal constatação. O contra-ataque veio com o vôo suborbital do astronauta Alan Shepard, quase um mês e meio depois em uma viagem menor, mais curta e mais breve que a de Gagarin e foi considerada mais uma derrota dos EUA frente a União Soviética na corrida espacial.
Yuri Gagarin morreu em 27 de março de 1968 em um acidente de avião (treinava num Mig-15);, em circunstâncias que, para muitos, ainda hoje permanece um mistério. (BV);
EUA superados mais uma vez
Moscou - Depois do lançamento do primeiro Sputnik pela União Soviética (URSS);, em 4 de outubro de 1957, os Estados Unidos eram superados uma vez mais na corrida espacial. Seu primeiro astronauta fez apenas um salto de 15 minutos, em 5 de maio seguinte, e teve de esperar até 20 de fevereiro de 1962 para que um americano, John Glenn, realizasse o primeiro vôo orbital (3 voltas); em torno da Terra.
Yuri Gararin realizou seu histórico vôo somente três anos e meio depois do lançamento do primeiro Sputnik. Foi em meados de 1959 que um decreto definiu os critérios de seleção dos cosmonautas, eleitos entre os pilotos da força aérea. Entre 3.000 candidatos, 20 foram selecionados para uma "missão especial". Finalmente, seis deles formaram o núcleo de cosmonautas preparados para voar. Estes viram, no dia 25 de março de 1961, um lançamento na base de Baikonur. Tratava-se de um "ensaio geral": o lançamento de uma nave Vostok (Oriente); que levava a bordo uma cachorrinha e um manequim chamado "Iván Ivanovich".
O vôo foi um sucesso, como o anterior, realizado em 9 de março. Em 3 de abril de 1961, tomou-se a decisão de enviar um homem ao espaço. Menos de três semanas antes do vôo de Gagarin, um dos seis cosmonautas escolhidos, Valentin Bondarenko, morreu durante um treinamento por causa de um incêndio em uma câmara barométrica.
Gagarin, como posteriormente os outros cosmonautas soviéticos, tinha nervos de aço. Antes de partir, inspirado pela leitura de "Os três mosqueteiros", disse a seus colegas: "Um por todos e todos por um". E, no momento do lançamento, ouviram-no dizer o que qualquer russo diz antes de empreender uma viagem: "Poiejali" (em frente);. Com essa viagem, obteve a glória: tanto sua quanto de seu país. Durante as inúmeras viagem que fez depois ao estrangeiro, foi recebido por estadistas e reis e aplaudido por milhões de pessoas.






