Lego gigante

Lego gigante
Um mutirão planetário começa a construir a estação orbital, de 40 bilhões de dólares
Cristina Ramalho

Após quinze anos de preparativos, o mais ambicioso projeto de engenharia espacial está começando a decolar. No início deste mês, o Congresso americano autorizou a liberação da maior parte da verba com a qual será colocada no espaço a primeira estação orbital internacional, conhecida pela sua sigla em inglês, ISS. O primeiro pedaço de estação será lançado em novembro. É o chamado bloco funcional de cargas, uma estrutura de 20 toneladas que ficará em órbita da Terra e será responsável pelo controle de altitude, propulsão e geração de energia durante a primeira fase de montagem da ISS. Com isso, será efetivamente iniciado esse misto de hotel e centro de pesquisa que marcará um inédito e descomunal esforço internacional. Quando estiver completa, em 2003, a ISS terá cinco vezes o tamanho da estação russa MIR, que será desativada no ano que vem. Os Estados Unidos vão bancar mais da metade dos 40 bilhões de dólares a ser gastos na estação. Também participam do investimento a Rússia, o Japão, o Canadá, os países europeus e o Brasil, que entrará com 120 milhões de dólares e será responsável pela construção de algumas peças, como os elementos de sustentação e as janelas de observação, onde serão instaladas câmeras para fotografar a Terra. O Brasil também terá o direito de enviar ao espaço seu primeiro astronauta: o capitão-aviador Marcos César Pontes, escolhido há um mês entre quinze candidatos, todos militares.
Com cientistas e astronautas de vários países, a ISS será uma babel sideral do tamanho de dois aviões Jumbo que dará a volta na Terra a cada noventa minutos. Será facilmente vista a olho nu: só perderá em brilho para a Lua e o planeta Vênus. Cientistas da Nasa, a agência espacial americana, vão aprofundar os estudos sobre o corpo humano num ambiente de gravidade zero que começaram com a atividade da MIR. “A estação vai nos ajudar a entender ainda melhor o que acontece com o sistema cardiovascular, os músculos e os ossos”, explica o coordenador do programa de vida no espaço da Nasa, David Liskowsky. Os americanos também querem testar a confecção de ligas ultraleves a partir de substâncias que não se juntam na Terra. Europeus analisarão o funcionamento dos organismos de animais e pesquisarão novos medicamentos, enquanto os japoneses se dedicarão principalmente a cultivar legumes. Os cientistas brasileiros poderão mandar, a cada ano, duas cargas de 50 quilos de produtos para experimentos como novos remédios e artigos industriais.
A estação deve receber seus primeiros tripulantes em julho do ano que vem, dias após a aposentadoria da MIR, que já tem doze anos e está cheia de problemas. Sem dinheiro para financiar dois programas simultâneos desse porte, a Rússia vai tirar a MIR de órbita e fará com que ela caia no Oceano Pacífico. Para concluir a ISS serão necessários 45 vôos espaciais durante pelo menos seis anos. As peças da estação orbital, feitas em diferentes países, serão engatadas no espaço. A montagem desse quebra-cabeça gigante será coordenada pela Boeing, empresa com vasta experiência na construção de aviões. A ISS será armada como um aeromodelo. Depois do bloco funcional de cargas, o ônibus espacial americano levará o Node 1, elo de ligação entre as peças russas e americanas, que será conectado ao gerador de energia por dois astronautas flutuando no espaço. A seguir virá o módulo de serviço russo, onde ficará o coração inicial da futura estação orbital: a cozinha, os dormitórios e os banheiros da tripulação.
A primeira equipe da ISS será formada pelos russos Yuri Gidzenko e Sergei Krikalev, comandados pelo americano Bill Shepherd, todos em treinamento desde 1996. Uma parte de seu exercício é feito hoje dentro de tanques d’água, onde é simulado o trabalho que executarão no espaço. Sua missão será montar o laboratório americano até agosto de 1999. Por fim, serão conectados os módulos laboratoriais de outros países, além de um braço robótico de 17 metros de comprimento, desenvolvido pelo Canadá para manipular instrumentos no exterior da nave. Em 2002, aportará na estação um novo módulo de habitação para seis astronautas de cada vez. De seis em seis meses, toda a tripulação será trocada. A previsão é de que a estação orbital funcione por um período semelhante ao da MIR: no mínimo dez anos. “Estamos confiantes”, diz Randy Brinkley, um dos coordenadores do programa na Nasa. “Quando acendermos as luzes, tudo vai funcionar.”


Os estágios da montagem


1998
Até o final do ano, será lançado um gerador de energia, que ficará acoplado a um módulo de ligação

1999
Ao que já existia, juntam-se um módulo habitacional russo e um laboratório americano

2001
Entram captadores de energia solar e um módulo japonês

2003
A ISS se completa, com um novo lar para seis tripulantes e os laboratórios russo e europeu