A IDA

A IDA
A primeira nave tripulada está pronta para partir em direção ao planeta vermelho. O veículo, com dezenas de toneladas, foi montado por etapas, na órbita terrestre, mas não na Terra, de maneira similar à aplicada na construção da Estação Espacial Internacional. Aos seis astronautas recém-chegados a bordo da nave caberá a honra de ser os primeiros habitantes de Marte. Antes que isso possa acontecer, entretanto, o sexteto precisará atravessar cerca de 400 milhões de quilômetros no oceano cósmico. O trajeto a ser percorrido forma uma curva ligando as órbitas da Terra (o terceiro planeta do Sistema Solar); e de Marte (o quarto);, numa diagonal. Embora seja muito maior do que a simples linha reta ligando os dois mundos, é o traçado requerido para viajar com a menor quantidade de combustível possível, aproveitando o empurrão dado naturalmente pelo movimento terrestre ao redor do Sol. A viagem equivale a mais de mil vezes o percurso da Terra à Lua. Para que se tenha uma idéia da escala envolvida, na velocidade de cruzeiro de um avião de passageiros convencional, seriam precisos 50 anos de vôo ininterrupto.
Com os poderosos foguetes tradicionais movidos a combustão química já existentes, é possível reduzir esse tempo para oito a dez meses _o que ainda é muito para deixar os viajantes expostos aos efeitos deletérios da ausência de gravidade e da radiação cósmica. Em 2033, felizmente, a nave será equipada com um moderno motor de plasma, derivado de uma tecnologia que já começou a ser desenvolvida no laboratório de Franklin Chang-Díaz, no Centro Espacial Johnson da Nasa, em Houston. O Vasimr (a pronúncia parece até de nome de jogador de futebol, "Vasimir"); é um tipo diferente de foguete. Ele funciona aquecendo hidrogênio até que ele atinja o mesmo estado energético que possui na superfície do Sol, em que os prótons e os elétrons ficam dissociados. A essa condição "diluída" da matéria se dá o nome de plasma. Depois que as partículas positivas e negativas são separadas, um campo magnético pode dispará-las violenta e rapidamente para trás e, por ação e reação, o veículo é empurrado à frente. Num foguete tradicional, o efeito é basicamente o mesmo _o combustível é queimado, e o jato de exaustão, atirado para trás_, mas não se pode regular quanto combustível é queimado de uma vez, e a velocidade máxima com que a exaustão ocorre é relativamente baixa. Esses dois problemas serão coisas do passado no novo motor em fase de desenvolvimento pela Nasa, ideal para viagens de longa duração. "Quanto mais longe vamos, melhor é o desempenho", explica Chang-Díaz, um físico costa-riquenho radicado nos Estados Unidos que também é o astronauta recordista em vôos no ônibus espacial americano. "O Vasimr é um foguete de aceleração contínua, onde o empuxo (o quanto de massa é atirado para trás); e a velocidade de exaustão são reguláveis. É como o câmbio de um automóvel, que usa a potência do motor para ganhar propulsão em terrenos montanhosos. No espaço, os campos gravitacionais do Sol e dos planetas são como montanhas e vales."
Apesar de muito eficiente, a menina dos olhos de Chang-Díaz é uma voraz devoradora de energia. Tanto que será preciso ter um reator nuclear na nave que levará os astronautas a Marte para poder alimentá-la. Como barreira de proteção para a tripulação contra a radiação emanada dessa fonte atômica a bordo, será usado o próprio tanque de combustível lotado de hidrogênio. Graças a essa tecnologia, será possível cruzar a distância entre a Terra e Marte em apenas quatro meses. É uma barganha justa, ao menos para o costa-riquenho. "Costumo dizer que, no espaço, energia é vida. Então, quando temos humanos na jogada, a arquitetura da nossa nave precisa ser 'rica em energia' para nos dar uma chance de lutar para sobreviver", ele diz. "Também precisamos aprender a viajar depressa, pois a radiação e a perda de condicionamento físico induzida pela ausência de peso são problemas assustadores que os astronautas precisam enfrentar." A despeito da redução no tempo, quatro meses ainda é um bocado. E os astronautas não terão muito o que fazer até que cheguem às redondezas de Marte.
Durante a jornada, alternarão entre exercícios de treinamento, testes de equipamentos e a torcida para que o Sol se comporte direitinho. Sim, o Sol é a maior ameaça à missão durante a travessia interplanetária. Uma erupção solar, jorrando toneladas de partículas a esmo na direção dos planetas, pode elevar o grau de radiação a níveis fatais. Os avisos prévios desses eventos, que podem até danificar satélites em órbita da Terra, hoje em dia não passam de alguns dias de antecedência. "Provavelmente, durante erupções e tempestades solares severas, os astronautas terão de viajar dentro de um casulo de água", diz o italiano Bruno Gardini, gerente de projeto do Programa Aurora, o esforço europeu direcionado ao planejamento de missões tripuladas a Marte. "Eu pessoalmente acho essa idéia fascinante, algo como voltar à origem da vida", arremata. Com sorte, o trajeto será percorrido sem muitos transtornos. E então, cerca de 120 dias depois, é chegada a hora de descobrir como fazer de Marte um lugar que os seres humanos poderiam chamar de "lar".