Cortes na Nasa sucateiam estação espacial
Cancelamento de módulo de habitação e de veículo salva-vidas pelos EUA compromete o potencial científico da ISS
Cortes na Nasa sucateiam estação espacial
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um laboratório orbital de última geração, com custo estimado de nada menos que US$ 60 bilhões, subutilizado por falta de pessoal. Esse é cenário que está se desenhando para a ISS (Estação Espacial Internacional);, em razão dos cortes promovidos pelo governo Bush no programa espacial tripulado americano.
A crise surgiu em fevereiro, quando o presidente George W. Bush apresentou sua proposta de orçamento para a Nasa referente a 2003. Nela, Bush sugeriu ao Congresso um gasto de US$ 1,5 bilhão com a estação no próximo ano _uma redução de 14% com relação ao ano anterior. A modificação, aliada ao fato de que o projeto já estava estourando todas as previsões iniciais de custo, obrigou a Nasa a fazer cortes.
O resultado foi um remendo no projeto. A agência inventou o conceito de "core complete" (núcleo concluído); para definir suas metas para a ISS. O tal núcleo deixava de fora um pedaço da estação que incluía um módulo de habitação e o veículo de retorno dos tripulantes. Os trabalhos nos dois setores foram interrompidos.
Pode não parecer muito impactante, mas essa decisão condena a ISS a ter como tripulação fixa máxima apenas três astronautas. Os planos originais previam sete.
Atualmente, ela abriga apenas um trio, que passa o tempo todo ocupado com a manutenção e a montagem do complexo. Quando a estação estiver pronta, eles terão um pouco mais de tempo para outras coisas, mas, mesmo assim, estarão muito ocupados com a operação dos sistemas para conduzir experimentos.
Se a estação perder seu potencial científico, como justificar os bilhões já gastos? É o que está se perguntando Laurence Young, um professor de astronáutica do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts);, nos EUA. Ele é o autor de um editorial veiculado hoje pela revista "Science" (www.sciencemag.org);, a mais importante publicação científica americana. O título do artigo é emblemático: "A ISS em perigo".
Ação e reação
Os países que fazem parte do consórcio que promove a montagem da ISS não responderam bem ao remendo americano ao projeto. "A idéia de 'core complete' nunca esteve nos acordos internacionais", diz o espanhol Manuel Valls, chefe do departamento de integração do programa de vôo espacial tripulado da ESA (Agência Espacial Européia);.
"Uma tripulação fixa de três não é uma opção realista", afirma. "Embora a Nasa provavelmente possa declarar 'core complete' unilateralmente, certamente isso quebra a confiança de nossos parceiros, que estavam contando com sua justa parcela de tempo da tripulação em troca de seu investimento na estação", disse Young à Folha. "Esses cortes vão minar a liderança americana na Europa."
Young considera o problema um muro intransponível para a continuidade dos programas tripulados. Uma possível ida a Marte, por exemplo, dependeria da realização de vários experimentos na ISS, que iriam desde a análise do efeito de viagens espaciais de longa duração sobre os astronautas até estudos de desenvolvimento de ambientes auto-sustentáveis a bordo de espaçonaves.
"E a exploração de Marte está invariavelmente no caminho para toda a futura exploração espacial humana _as luas de Marte, o retorno à Lua, visitas a asteróides e ao ponto de Lagrange onde a gravidade do Sol e da Terra se compensam", afirma.
Soluções
Os parceiros no projeto já estão à procura de saídas para o impasse. Atualmente, há apenas um veículo salva-vidas conectado, uma nave russa Soyuz, com capacidade para três ocupantes. Uma possível solução seria deixar mais uma atracada à estação, permitindo a evacuação de emergência de uma tripulação de seis pessoas.
Já o módulo de habitação cancelado pelos americanos poderia ser substituído por um módulo multiuso europeu, adaptado para a função. "Estamos discutindo com todos os participantes para encontrar soluções", diz Valls. "Devemos ter algo até o outono primavera no hemisfério Sul."
"Tudo parece indicar uma redução do escopo da participação americana na ISS", diz Múcio Dias, presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira);. Ele afirma, entretanto, que a participação do Brasil no complexo não deve ser reduzida, apesar de ter sido obtida por intermédio da Nasa.
Acima de tudo, o importante é salvar o projeto. "A ISS foi e continua sendo não só uma boa idéia, mas o único modo de prosseguir com um programa significativo de ciências da vida e tecnologia espaciais", diz Young. "Não deveríamos jogar fora esse bebê junto com a água do banho."
Cortes na Nasa sucateiam estação espacial
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um laboratório orbital de última geração, com custo estimado de nada menos que US$ 60 bilhões, subutilizado por falta de pessoal. Esse é cenário que está se desenhando para a ISS (Estação Espacial Internacional);, em razão dos cortes promovidos pelo governo Bush no programa espacial tripulado americano.
A crise surgiu em fevereiro, quando o presidente George W. Bush apresentou sua proposta de orçamento para a Nasa referente a 2003. Nela, Bush sugeriu ao Congresso um gasto de US$ 1,5 bilhão com a estação no próximo ano _uma redução de 14% com relação ao ano anterior. A modificação, aliada ao fato de que o projeto já estava estourando todas as previsões iniciais de custo, obrigou a Nasa a fazer cortes.
O resultado foi um remendo no projeto. A agência inventou o conceito de "core complete" (núcleo concluído); para definir suas metas para a ISS. O tal núcleo deixava de fora um pedaço da estação que incluía um módulo de habitação e o veículo de retorno dos tripulantes. Os trabalhos nos dois setores foram interrompidos.
Pode não parecer muito impactante, mas essa decisão condena a ISS a ter como tripulação fixa máxima apenas três astronautas. Os planos originais previam sete.
Atualmente, ela abriga apenas um trio, que passa o tempo todo ocupado com a manutenção e a montagem do complexo. Quando a estação estiver pronta, eles terão um pouco mais de tempo para outras coisas, mas, mesmo assim, estarão muito ocupados com a operação dos sistemas para conduzir experimentos.
Se a estação perder seu potencial científico, como justificar os bilhões já gastos? É o que está se perguntando Laurence Young, um professor de astronáutica do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts);, nos EUA. Ele é o autor de um editorial veiculado hoje pela revista "Science" (www.sciencemag.org);, a mais importante publicação científica americana. O título do artigo é emblemático: "A ISS em perigo".
Ação e reação
Os países que fazem parte do consórcio que promove a montagem da ISS não responderam bem ao remendo americano ao projeto. "A idéia de 'core complete' nunca esteve nos acordos internacionais", diz o espanhol Manuel Valls, chefe do departamento de integração do programa de vôo espacial tripulado da ESA (Agência Espacial Européia);.
"Uma tripulação fixa de três não é uma opção realista", afirma. "Embora a Nasa provavelmente possa declarar 'core complete' unilateralmente, certamente isso quebra a confiança de nossos parceiros, que estavam contando com sua justa parcela de tempo da tripulação em troca de seu investimento na estação", disse Young à Folha. "Esses cortes vão minar a liderança americana na Europa."
Young considera o problema um muro intransponível para a continuidade dos programas tripulados. Uma possível ida a Marte, por exemplo, dependeria da realização de vários experimentos na ISS, que iriam desde a análise do efeito de viagens espaciais de longa duração sobre os astronautas até estudos de desenvolvimento de ambientes auto-sustentáveis a bordo de espaçonaves.
"E a exploração de Marte está invariavelmente no caminho para toda a futura exploração espacial humana _as luas de Marte, o retorno à Lua, visitas a asteróides e ao ponto de Lagrange onde a gravidade do Sol e da Terra se compensam", afirma.
Soluções
Os parceiros no projeto já estão à procura de saídas para o impasse. Atualmente, há apenas um veículo salva-vidas conectado, uma nave russa Soyuz, com capacidade para três ocupantes. Uma possível solução seria deixar mais uma atracada à estação, permitindo a evacuação de emergência de uma tripulação de seis pessoas.
Já o módulo de habitação cancelado pelos americanos poderia ser substituído por um módulo multiuso europeu, adaptado para a função. "Estamos discutindo com todos os participantes para encontrar soluções", diz Valls. "Devemos ter algo até o outono primavera no hemisfério Sul."
"Tudo parece indicar uma redução do escopo da participação americana na ISS", diz Múcio Dias, presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira);. Ele afirma, entretanto, que a participação do Brasil no complexo não deve ser reduzida, apesar de ter sido obtida por intermédio da Nasa.
Acima de tudo, o importante é salvar o projeto. "A ISS foi e continua sendo não só uma boa idéia, mas o único modo de prosseguir com um programa significativo de ciências da vida e tecnologia espaciais", diz Young. "Não deveríamos jogar fora esse bebê junto com a água do banho."

