Com a corda no pescoço

Nasa é criticada por cometer os mesmos erros que levaram à explosão da Challenger, em 86
Com a corda no pescoço
James Oberg
da "New Scientist"

Existe um tipo particularmente traiçoeiro de acidente, que destrói naves que estão funcionando perfeitamente. Ele ocorre quando alguma espécie de erro humano faz com que o aparelho caia.
Em setembro do ano passado, um acidente como esse aconteceu em Marte. Os funcionários do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, em inglês);, da Nasa, agência espacial dos EUA, enviaram comandos de navegação de rotina para a sonda Mars Climate Orbiter enquanto ela se aproximava do planeta vermelho. Mas, por uma série de falhas humanas, os comandos estavam errados e a sonda mergulhou na atmosfera em vez de entrar em órbita. A Nasa nunca mais soube dela.
Algumas semanas depois, a sonda Mars Polar Lander, também da Nasa, entrou na atmosfera de Marte. Durante a descida, o veículo deveria soltar um par de pequenas sondas que iriam chegar à superfície, analisar o solo e, então, enviar os resultados. A Nasa nunca mais ouviu falar das pequenas sondas ou da Polar Lander novamente. O melhor palpite é o de que a Lander desligou seus foguetes, destinados a reduzir a velocidade da sonda, cedo demais.
Após as falhas, rumores de incompetência giraram pela indústria espacial . A Nasa interrompeu seu programa para Marte e, em março, divulgou os resultados de sua investigação dos acidentes. O relatório mostra a situação complicada de uma organização que foi perdendo seu nível de excelência após anos de cortes no orçamento e uma filosofia arriscada.
Espiral descendente
O que mais preocupa é a possibilidade de que os problemas da Nasa fiquem piores. No centro da questão está a tentativa da agência de trabalhar de forma eficiente com menos dinheiro. O homem que conduziu essa mudança é Daniel Goldin, que assumiu o comando da agência em 92. Antes, Goldin havia sido engenheiro e administrador da companhia TRW. Ele herdou uma Nasa ainda se recuperando do desastre da Challenger, em 86, e com a moral baixa.
Goldin imediatamente iniciou seu projeto de aperfeiçoamento. O líder acreditava que a Nasa havia gasto muito dinheiro e tempo em poucas missões, como o projeto de US$ 1 bilhão para Júpiter _a sonda Galileu, que levou mais de uma década para ser projetada e construída. Ele acreditava que, trabalhando com mais eficiência, seria possível construir naves melhores, mais rapidamente e por menos dinheiro. Ele adotou a filosofia "Faster, Better, Cheaper" (FBC, que em português quer dizer "mais rápido, melhor e mais barato");.
A nova abordagem levou a sucessos espetaculares. Em 1997, a sonda Mars Pathfinder e seu pequeno robô geraram interesse mundial por apenas US$ 200 milhões. A Mars Global Surveyor, que está na órbita do planeta vermelho desde 1997, custou US$ 250 milhões e continua a mandar imagens de alta resolução da superfície marciana. Mas os dois últimos desastres do programa de exploração de Marte contam outra história.
Riscos não calculados
Um dos maiores problemas apontados por Thomas Young, líder do grupo designado para investigar as falhas do programa marciano, era a vaga definição da filosofia FBC. Young concluiu que a FBC encorajava riscos e que a Nasa falhou em determinar o quão prudentes esses riscos deveriam ser. Isso teria provocado os fracassos em Marte.
As causas para as falhas são muito parecidas com os problemas que levaram ao desastre da Challenger, em 1986, quando os selos de contenção do combustível da nave falharam, provocando a explosão que matou os sete astronautas a bordo, durante a decolagem. Naquela ocasião, antes do acidente, vários engenheiros haviam expressado sua preocupação com a segurança do veículo. Eles apontaram que a nave não havia sido testada em baixas temperaturas como as daquele dia. Apesar dos avisos, os administradores da Nasa preferiram assumir que a nave era segura.
Sempre há uma tensão dinâmica entre os engenheiros de projetos aeroespaciais e seus administradores, muitos dos quais, ex-engenheiros. A pressão para finalizar um projeto no prazo e dentro do orçamento, a responsabilidade dos administradores, precisa ser compensada pela necessidade de testar o sistema completamente, uma tarefa do engenheiro. No desastre da Challenger, a pressão para o lançamento foi tão grande que o equilíbrio entre administradores e engenheiros foi perdido.
O relatório Young apontou que as pressões sobre os administradores do programa de Marte eram enormes, em função da pequena janela (momento em que é possível fazer o lançamento); das missões rumo ao planeta vermelho, que ocorrem a cada 26 meses.
O fracasso da Mars Climate Orbiter aconteceu porque o fabricante, a companhia aeroespacial Lockheed Martin, forneceu à Nasa material de referência do sistema de navegação do veículo em unidades britânicas (pés e polegadas); em vez das unidades métricas do Sistema Internacional , contrariando a requisição da agência.
Alguns ex-administradores da Nasa dizem ter avisado a agência sobre os problemas da filosofia FBC durante anos, mas sempre foram ignorados. Donna Shirley trabalhou na bem-sucedida missão Mars Pathfinder e assumiu a administração do projeto Mars Polar Lander. Ela preferiu se aposentar a levar o projeto até o fim.
Sua saída está diretamente relacionada com o fato da Nasa não ter respondido às suas preocupações. "Eles continuavam adicionando coisas ao projeto e não colocavam mais dinheiro nele", afirmou Shirley.
O relatório Young apontou que a Nasa não tinha cientistas experientes em número suficiente para administrar a inflação no número de missões espaciais.
Ao longo dos anos 90, a indústria espacial dos EUA sofreu contínuos cortes, e o declínio nos orçamentos aeroespaciais governamentais fez com que o número de funcionários fosse reduzido pela metade. Os funcionários mais caros costumam ser os mais velhos e mais experientes, e eles foram o alvo principal dos cortes. Desde o último trimestre de 1992, mais de 4.500 engenheiros e cientistas deixaram a Nasa, dos quais apenas 1.000 tinham menos que 40 anos.
Após a divulgação do relatório Young, Goldin assumiu a culpa. Ele admitiu ter ido longe demais com a filosofia FBC e disse que era tempo de repensar os planos. A Nasa agora cancelou quase todos os seus vôos a Marte. A questão é saber se isso será o suficiente, já que a gradual perda de especialistas e os orçamentos reduzidos influenciam cada aspecto do trabalho da agência, não apenas o programa para Marte.
Isso pode ser observado em outro projeto de Goldin, o protótipo da nave X-33, um meio melhor e mais barato para ir ao espaço. A Nasa planejava para este ano o primeiro lançamento desse foguete reutilizável, que custou US$ 1 bilhão para ser projetado e construído.
No fim do ano passado, no entanto, o projeto sofreu grande impacto, quando um tanque de combustível de fibra de carbono quebrou, durante testes de rotina. Os críticos diziam que o projeto era muito ambicioso e que a Nasa estava aceitando muitos riscos.
E isso não é tudo. No começo do ano, funcionários do Centro de Vôo Espacial Marshall, no Alabama, acidentalmente jogaram fora pedaços da Estação Espacial Internacional no valor de quase US$ 1 milhão. No ano passado, um dos ônibus espaciais da Nasa sofreu um sério curto-circuito durante uma missão. O problema estava relacionado com cabos quebrados por funcionários durante manutenções de rotina. Todos esses problemas poderiam ter sido facilmente evitados.
A Nasa mostrou no passado que sabe como fazer as coisas direito. O custo da perda desse conhecimento agora é medido em centenas de milhões de dólares, anos de atraso e humilhação pública. Até agora, nenhuma outra vida humana foi perdida, mas a questão a ser respondida pela agência é se isso irá permanecer assim.
Tradução de Salvador Nogueira