Hotel nas estrelas
Hotel nas estrelas
Viagem de empresário provoca congestionamento nas agências que oferecem passeios no espaço
Bia Barbosa
A base de Baikonur, no Casaquistão, foi o ponto de partida do vôo do primeiro homem no espaço, quarenta anos atrás. Há dez dias se tornou também o porto de embarque do primeiro turista espacial. O milionário americano Dennis Tito fez com um foguete espacial o que o restante das pessoas faz com aviões de carreira: comprou uma passagem, com direito à hospedagem de seis dias na Estação Espacial Internacional, à comida de astronauta e à incrível sensação de flutuar no espaço. Tito, próspero proprietário de uma empresa que administra fundos de pensão, pagou pelo pacote 20 milhões de dólares e só conseguiu embarcar porque os russos que receberam pela viagem mantiveram o contrato firmado há um ano, quando Tito deveria subir à Mir. Na época, a velha estação desativada quase se transformou numa pensão cósmica. Com a queda da Mir, em março, o milionário acabou ganhando um upgrade e foi conhecer a novíssima estação espacial, mesmo sob os protestos dos oficiais da Nasa, que não queriam saber de Tito a bordo.
Com a viagem do empresário, programas que oferecem passeios na alta atmosfera para mortais comuns adquiriram visibilidade excepcional. A empresa Space Adventures, que intermediou as negociações entre o empresário e o governo russo, passou a semana com suas linhas telefônicas congestionadas. O diretor de cinema James Cameron, o canadense que dirigiu o filme Titanic, é o próximo da lista e pretende viajar em outubro. Como os lugares são limitadíssimos, a agência de viagens cósmicas oferece também opções módicas em caças MiG, que, relativamente baratas, são uma atração irresistível para qualquer aventureiro. Os supersônicos russos sobem a uma altitude de 25.000 metros e atingem a velocidade de 2.880 quilômetros por hora, duas vezes e meia a do som. Com isso, é possível por alguns minutos ver a superfície arredondada da Terra, o impressionante ponto em que o céu azul começa a ficar negro. Na volta, como o avião desce muito rápido, o passageiro tem a breve sensação de ausência de gravidade. Tudo isso por preços que variam entre 4.000 e 13.000 dólares, dependendo do modelo MiG utilizado.
É um mercado promissor. Mais de 10 milhões de pessoas visitam anualmente museus e centros de pesquisa ligados a assuntos espaciais nos Estados Unidos. Uma pesquisa recente realizada pela empresa Roper Starch Worldwide apontou que 20% dos adultos americanos estariam dispostos a comprometer quatro anos de sua renda em uma viagem espacial. A Space Adventures já encomendou a empresas especializadas em tecnologia aeroespacial um novo avião, parecido com o ônibus espacial, capaz de realizar vôos suborbitais a 100 quilômetros de altitude. Queremos ter um avião desse tipo até 2004, disse a VEJA Michael Lyon, vice-presidente da Space Adventures. Serão viagens de uma hora e meia, que custarão 98.000 dólares, explica ele. Mais de 100 pessoas procuraram a empresa para fazer a reserva, 67 deram um sinal para garantir a vaga e outras pagaram todo o pacote. Mais quatro companhias oferecem serviços semelhantes.
Apesar de a imensa maioria das agências de viagens espaciais ser americana, elas só existem por causa do interesse do governo russo em ganhar dinheiro com o que sobrou de seu vultoso programa espacial. Tudo, das viagens em naves e caças ao treinamento básico para sobrevivência no espaço, é disponibilizado pelos russos.
É a evolução de um programa chamado Intercosmos, iniciado em 1965, quando países comunistas de pouquíssima expressão espacial, como Cuba, Bulgária e Mongólia, enviavam astronautas para participar de viagens espaciais. Com a Mir, os russos foram além e venderam uma vaga para um jornalista de uma emissora de TV japonesa em 1990 por 12 milhões dólares. Toyohiro Akiyama, o jornalista, odiou a viagem. Passou mal, vomitou a bordo e achou péssimas as instalações da estação. Um ano depois, a química inglesa Helen Sharman ganhou uma viagem numa competição realizada na Inglaterra e teve sua passagem financiada por um banco russo em busca de publicidade. Vagas na velha estação serviam também para barganhas políticas. No final dos anos 80, a extinta União Soviética ofereceu à Inglaterra um lugar a bordo em troca de o governo da então primeira-ministra Margareth Thatcher cancelar um programa de instalação de mísseis de longo alcance nas ilhas britânicas. Já estamos negociando novos vôos como o de Tito, diz Yuri Koptev, diretor da Agência Espacial Russa. O duro vai ser convencer os americanos, que, desde a morte da professora Christa McAuliffe, na explosão da Challenger, em 1986, não querem saber de amadores dentro de suas naves espaciais.
O cinco-estrelas do futuro
O projeto de construir um hotel no espaço sempre trombou com um obstáculo mais poderoso que as dificuldades técnicas: o custo, digamos, astronômico da obra. Uma empresa da Califórnia, a Space Island Group, tirou da manga uma engenhosa solução para tocar um projeto de grande porte construído por até um décimo do que custará a Estação Espacial Internacional. O hotel com capacidade para 100 hóspedes poderá exigir 6 bilhões de dólares e deve ficar pronto em apenas seis anos, caso a empresa encontre investidores interessados em bancar o empreendimento. Todo o complexo seria construído com restos dos foguetes lançadores do ônibus espacial que hoje flutuam no espaço antes de cair de volta à Terra. São estruturas ocas do tamanho de um Boeing 747, que depois de esvaziadas de seu conteúdo de combustível seriam agrupadas e soldadas para construir o hotel. A idéia de utilizar os tanques nasceu na própria Nasa nas etapas iniciais da estação espacial, mas os americanos acharam que o projeto perderia prestígio se fosse feito de sucata. Entre os possíveis patrocinadores está a rede de hotéis Hilton. Seus executivos enxergam muitas semelhanças entre o projeto da Space Island Group e o hotel espacial Hilton que apareceu no filme 2001 Uma Odisséia no Espaço. O preço inicial estimado para a estada de uma semana no resort espacial é de 2 milhões de dólares. Uma temporada e tanto, em que os viajantes flutuariam o tempo todo dentro das instalações do hotel, cercados por vistas espetaculares da Terra 650 quilômetros abaixo. O sonho é livre
Viagem de empresário provoca congestionamento nas agências que oferecem passeios no espaço
Bia Barbosa
A base de Baikonur, no Casaquistão, foi o ponto de partida do vôo do primeiro homem no espaço, quarenta anos atrás. Há dez dias se tornou também o porto de embarque do primeiro turista espacial. O milionário americano Dennis Tito fez com um foguete espacial o que o restante das pessoas faz com aviões de carreira: comprou uma passagem, com direito à hospedagem de seis dias na Estação Espacial Internacional, à comida de astronauta e à incrível sensação de flutuar no espaço. Tito, próspero proprietário de uma empresa que administra fundos de pensão, pagou pelo pacote 20 milhões de dólares e só conseguiu embarcar porque os russos que receberam pela viagem mantiveram o contrato firmado há um ano, quando Tito deveria subir à Mir. Na época, a velha estação desativada quase se transformou numa pensão cósmica. Com a queda da Mir, em março, o milionário acabou ganhando um upgrade e foi conhecer a novíssima estação espacial, mesmo sob os protestos dos oficiais da Nasa, que não queriam saber de Tito a bordo.
Com a viagem do empresário, programas que oferecem passeios na alta atmosfera para mortais comuns adquiriram visibilidade excepcional. A empresa Space Adventures, que intermediou as negociações entre o empresário e o governo russo, passou a semana com suas linhas telefônicas congestionadas. O diretor de cinema James Cameron, o canadense que dirigiu o filme Titanic, é o próximo da lista e pretende viajar em outubro. Como os lugares são limitadíssimos, a agência de viagens cósmicas oferece também opções módicas em caças MiG, que, relativamente baratas, são uma atração irresistível para qualquer aventureiro. Os supersônicos russos sobem a uma altitude de 25.000 metros e atingem a velocidade de 2.880 quilômetros por hora, duas vezes e meia a do som. Com isso, é possível por alguns minutos ver a superfície arredondada da Terra, o impressionante ponto em que o céu azul começa a ficar negro. Na volta, como o avião desce muito rápido, o passageiro tem a breve sensação de ausência de gravidade. Tudo isso por preços que variam entre 4.000 e 13.000 dólares, dependendo do modelo MiG utilizado.
É um mercado promissor. Mais de 10 milhões de pessoas visitam anualmente museus e centros de pesquisa ligados a assuntos espaciais nos Estados Unidos. Uma pesquisa recente realizada pela empresa Roper Starch Worldwide apontou que 20% dos adultos americanos estariam dispostos a comprometer quatro anos de sua renda em uma viagem espacial. A Space Adventures já encomendou a empresas especializadas em tecnologia aeroespacial um novo avião, parecido com o ônibus espacial, capaz de realizar vôos suborbitais a 100 quilômetros de altitude. Queremos ter um avião desse tipo até 2004, disse a VEJA Michael Lyon, vice-presidente da Space Adventures. Serão viagens de uma hora e meia, que custarão 98.000 dólares, explica ele. Mais de 100 pessoas procuraram a empresa para fazer a reserva, 67 deram um sinal para garantir a vaga e outras pagaram todo o pacote. Mais quatro companhias oferecem serviços semelhantes.
Apesar de a imensa maioria das agências de viagens espaciais ser americana, elas só existem por causa do interesse do governo russo em ganhar dinheiro com o que sobrou de seu vultoso programa espacial. Tudo, das viagens em naves e caças ao treinamento básico para sobrevivência no espaço, é disponibilizado pelos russos.
É a evolução de um programa chamado Intercosmos, iniciado em 1965, quando países comunistas de pouquíssima expressão espacial, como Cuba, Bulgária e Mongólia, enviavam astronautas para participar de viagens espaciais. Com a Mir, os russos foram além e venderam uma vaga para um jornalista de uma emissora de TV japonesa em 1990 por 12 milhões dólares. Toyohiro Akiyama, o jornalista, odiou a viagem. Passou mal, vomitou a bordo e achou péssimas as instalações da estação. Um ano depois, a química inglesa Helen Sharman ganhou uma viagem numa competição realizada na Inglaterra e teve sua passagem financiada por um banco russo em busca de publicidade. Vagas na velha estação serviam também para barganhas políticas. No final dos anos 80, a extinta União Soviética ofereceu à Inglaterra um lugar a bordo em troca de o governo da então primeira-ministra Margareth Thatcher cancelar um programa de instalação de mísseis de longo alcance nas ilhas britânicas. Já estamos negociando novos vôos como o de Tito, diz Yuri Koptev, diretor da Agência Espacial Russa. O duro vai ser convencer os americanos, que, desde a morte da professora Christa McAuliffe, na explosão da Challenger, em 1986, não querem saber de amadores dentro de suas naves espaciais.
O cinco-estrelas do futuro
O projeto de construir um hotel no espaço sempre trombou com um obstáculo mais poderoso que as dificuldades técnicas: o custo, digamos, astronômico da obra. Uma empresa da Califórnia, a Space Island Group, tirou da manga uma engenhosa solução para tocar um projeto de grande porte construído por até um décimo do que custará a Estação Espacial Internacional. O hotel com capacidade para 100 hóspedes poderá exigir 6 bilhões de dólares e deve ficar pronto em apenas seis anos, caso a empresa encontre investidores interessados em bancar o empreendimento. Todo o complexo seria construído com restos dos foguetes lançadores do ônibus espacial que hoje flutuam no espaço antes de cair de volta à Terra. São estruturas ocas do tamanho de um Boeing 747, que depois de esvaziadas de seu conteúdo de combustível seriam agrupadas e soldadas para construir o hotel. A idéia de utilizar os tanques nasceu na própria Nasa nas etapas iniciais da estação espacial, mas os americanos acharam que o projeto perderia prestígio se fosse feito de sucata. Entre os possíveis patrocinadores está a rede de hotéis Hilton. Seus executivos enxergam muitas semelhanças entre o projeto da Space Island Group e o hotel espacial Hilton que apareceu no filme 2001 Uma Odisséia no Espaço. O preço inicial estimado para a estada de uma semana no resort espacial é de 2 milhões de dólares. Uma temporada e tanto, em que os viajantes flutuariam o tempo todo dentro das instalações do hotel, cercados por vistas espetaculares da Terra 650 quilômetros abaixo. O sonho é livre

