Como a casa vai cair

Estação espacial Mir
Como a casa vai cair

Russos derrubam nave no Oceano Pacífico para ensaiar a destruição da estação espacial Mir

Bia Barbosa

Na madrugada de segunda-feira passada, os técnicos do centro de controle da Agência Espacial Russa acompanharam atentamente a queda de um artefato de 7 toneladas sobre uma remota região no sul do Oceano Pacífico. Era uma nave Progress M-43, um cargueiro de suprimentos que foi usado na última missão de astronautas da estação espacial Mir, no ano passado. A nave havia sido desconectada cinco dias antes da estação e funcionou como ensaio para o que deve acontecer com a própria Mir dentro de um mês. O Progress M-43 foi induzido a baixar sua altitude e entrar na atmosfera terrestre. Durante 46 minutos, ardeu como uma tocha, até que seus fragmentos calcinados despencaram no mesmo lugar que servirá de sepultura para a estação espacial. A diferença entre a queda do Progress e a da Mir é que ela é um artefato vinte vezes maior e infinitamente mais complexo.
No sábado, os russos já haviam conectado à Mir um outro artefato, também da série Progress, carregado com 2 toneladas de combustível. É esse foguete que vai empurrar a Mir de volta. Dará pequenos puxões na estação e diminuirá levemente sua velocidade. Viajando mais devagar, a Mir perde a sustentação e começa a despencar em direção à superfície terrestre. Tudo foi calculado para que cada impulso do foguete coloque a estação num ponto exato de reentrada na atmosfera e para garantir que pelo menos dois terços de sua estrutura sejam pulverizados pelo atrito com o ar. É um plano cuidadosamente traçado, mas que obviamente, pela complexidade da operação teleguiada, está sujeito a imprevistos.
Com quinze anos de uso, a Mir é uma estação velha e enferrujada. Os técnicos russos não têm meios de dizer com exatidão se a estrutura se comportará como o previsto. A estação tem 140 toneladas, sete módulos diferentes e, mesmo com tudo correndo como o previsto, deve despejar sobre o planeta fragmentos de até 700 quilos. O sucesso da operação também depende dos caprichos da atmosfera da Terra, constantemente sujeita a turbulências. “A possibilidade de os fragmentos da Mir acertarem uma ilha ou mesmo um continente é remota, mas ela existe”, afirma o engenheiro Petrônio Noronha de Souza, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe);. Preocupado, o ministro de Relações Exteriores do Japão, Yohei Kono, pediu detalhes da operação ao governo russo. Os Estados Unidos também controlarão a queda da estação com a rede de rastreamento espacial do Exército. O receio é que a Mir dê sustos parecidos com os causados pela queda da estação americana Skylab no deserto da Austrália, em 1979, e da russa Salyut-7, que despencou há dez anos sobre os Andes.
A queda da Mir será um espetáculo inédito, excepcional e fugaz. Ao todo, não deve levar mais de meia hora. Apenas os segundos finais serão visíveis, mesmo assim para quem estiver num raio de poucos quilômetros do local da queda. Ao receber o último impulso do foguete, quando estiver cruzando os céus da Austrália, a 80 quilômetros de altitude, a Mir se desintegrará. Em poucos segundos, os painéis solares, as antenas e as câmaras serão arrancados. O revestimento externo da estação, feito de folhas de alumínio e fibras isolantes, será completamente queimado. As juntas entre os módulos começarão a se romper. Na viagem rumo à Terra, apenas o bloco principal da estação e os módulos maiores devem resistir ao impacto com suas estruturas reforçadas de aço e titânio. O alumínio usado nessas partes não resistirá às altas temperaturas. “Se pudéssemos filmar sua destruição veríamos as partes externas sendo arrancadas e depois queimadas pelo atrito com a atmosfera. A estação não vai queimar como um fósforo, de uma ponta a outra. Vai desintegrar-se e em seguida os pedaços começarão a se queimar”, explica o engenheiro do Inpe. O metal fundido nas altas camadas da atmosfera tende a se esfacelar em migalhas muito pequenas, quase pó. A etapa final será semelhante a uma chuva de fogos de artifício. Pequenas partículas incandescentes, vermelhas, brancas, alaranjadas, queimarão na atmosfera, enfeitando o mergulho derradeiro da estação