Vivos por um triz
Vivos por um triz
Em situações-limite, a coragem e o gênio humanos fazem a diferença
entre a vida e a morte
Rachel Verano
Houston, temos um problema. A frase do astronauta americano Jack Swigert, em abril de 1970, deu início à primeira operação de salvamento no espaço sideral. Foi também a única vez, antes do acidente da semana passada com o submarino Kursk, que toda a população do planeta acompanhou ao vivo os desdobramentos de um drama dessa natureza. O pedido de socorro ao centro de controle da Nasa, na cidade de Houston, nos Estados Unidos, aconteceu quando a nave Apollo 13 estava a 330.000 quilômetros da Terra, em direção à Lua. O comandante Swigert e mais dois astronautas preparavam-se para entrar na órbita do satélite quando uma explosão num dos tanques de oxigênio cortou a eletricidade, a luz e a água do módulo principal da nave. A missão de levar o homem à Lua pela terceira vez foi abortada e deixou o mundo em suspense por quatro dias.
O desfecho desse drama, até então inédito na História, também demonstrou como o gênio humano pode superar-se em situações-limite, em que há vidas em jogo. Sem energia no corpo principal da nave, os tripulantes da Apollo 13 se refugiaram no módulo que serviria para pousar na Lua. Projetado para abrigar só duas pessoas por um prazo máximo de 45 horas, o módulo teve de comportar três pelo dobro do tempo. A água foi racionada. Cada astronauta tinha direito a menos de um copo por dia. Mas esses nem de longe eram os problemas principais.
A pane no sistema elétrico reduziu a temperatura a 3 graus Celsius e crostas de gelo formaram-se nas paredes. Aos poucos, a nave foi se tornando um freezer perdido na imensidão escura e gelada exatamente como estava o submarino russo no fundo do mar na semana passada. Nessas condições, os astronautas poderiam morrer congelados. E essa era apenas uma das muitas perspectivas de morte que tinham pela frente. O grande desafio era trazer a nave, já quase sem combustível, de volta para casa. Com uma precisa descarga de jato do módulo lunar, os tripulantes da Apollo 13 conseguiram desviar a nave da órbita da Lua e, ao mesmo tempo, usar o puxão gravitacional do satélite para impulsioná-la na direção da Terra. Chama-se a isso de efeito estilingue.
Veio então a maior dificuldade. Sem motores para chegar até a Terra, os astronautas estavam na situação de quem pilota um carro pela estrada com um cobertor tapando o pára-brisa. Havia dois riscos. O primeiro era entrar na atmosfera terrestre numa posição frontal, o que faria com que a nave pegasse fogo e os astronautas morressem cremados em segundos. A outra possibilidade era entrar num ângulo excessivamente aberto, para evitar a fricção com o ar. Nessa hipótese, a nave ricochetearia na atmosfera e se perderia para sempre no espaço. Os cálculos feitos em Terra pelos engenheiros da Nasa e a habilidade da tripulação resultaram numa manobra bem-sucedida e todos se salvaram.
Quase três décadas mais tarde, um novo resgate aconteceria no espaço. Foi em junho de 1997, quando uma nave-cargueiro russa de 7 toneladas chocou-se com a estaçãoorbital Mir. A batida provocou despressurização, destruiu um dos painéis de energia solar, abriu um buraco num dos módulos da estaçãoe cortou cabos de energia. Estabelecidas as condições normais, a equipe composta pelo americano Michael Foale e dois astronautas russos foi resgatada e voltou à Terra em segurança poucos meses depois.
Carne humana A intensidade dramática desses resgates faz deles candidatos naturais a roteiros de filmes, livros e documentários de sucesso. O acidente com a Apollo 13 virou superprodução de cinema estrelada por Tom Hanks, em 1995. Outro resgate histórico transformado em livro e filme foi o dos jovens uruguaios sobreviventes de um acidente aéreo na Cordilheira dos Andes. Em outubro de 1972, um avião da Força Aérea uruguaia, que levava uma equipe colegial de rúgbi para um jogo em Santiago, no Chile, bateu com a asa no pico de uma montanha e deslizou vários quilômetros no gelo até parar a 4 500 metros de altitude. Ali teve início um drama que durou 71 dias e custou a vida de 29 passageiros.
Sob uma temperatura que variava entre 10 e 20 graus negativos, eles dormiram em meio a cadáveres e corpos mutilados e, na ausência total de comida, recorreram à carne dos companheiros mortos para continuar a viver. Escondidos na vertente de um vulcão, um lugar quase inacessível, suas chances de resgate eram remotas. Dois sobreviventes conseguiram andar 70 quilômetros na neve até encontrar um tropeiro chileno e pedir ajuda. Três dias depois, quando já se dava como certo o completo desaparecimento do avião, os helicópteros de salvamento conseguiram encontrar e resgatar os outros catorze sobreviventes.
Em situações-limite, a coragem e o gênio humanos fazem a diferença
entre a vida e a morte
Rachel Verano
Houston, temos um problema. A frase do astronauta americano Jack Swigert, em abril de 1970, deu início à primeira operação de salvamento no espaço sideral. Foi também a única vez, antes do acidente da semana passada com o submarino Kursk, que toda a população do planeta acompanhou ao vivo os desdobramentos de um drama dessa natureza. O pedido de socorro ao centro de controle da Nasa, na cidade de Houston, nos Estados Unidos, aconteceu quando a nave Apollo 13 estava a 330.000 quilômetros da Terra, em direção à Lua. O comandante Swigert e mais dois astronautas preparavam-se para entrar na órbita do satélite quando uma explosão num dos tanques de oxigênio cortou a eletricidade, a luz e a água do módulo principal da nave. A missão de levar o homem à Lua pela terceira vez foi abortada e deixou o mundo em suspense por quatro dias.
O desfecho desse drama, até então inédito na História, também demonstrou como o gênio humano pode superar-se em situações-limite, em que há vidas em jogo. Sem energia no corpo principal da nave, os tripulantes da Apollo 13 se refugiaram no módulo que serviria para pousar na Lua. Projetado para abrigar só duas pessoas por um prazo máximo de 45 horas, o módulo teve de comportar três pelo dobro do tempo. A água foi racionada. Cada astronauta tinha direito a menos de um copo por dia. Mas esses nem de longe eram os problemas principais.
A pane no sistema elétrico reduziu a temperatura a 3 graus Celsius e crostas de gelo formaram-se nas paredes. Aos poucos, a nave foi se tornando um freezer perdido na imensidão escura e gelada exatamente como estava o submarino russo no fundo do mar na semana passada. Nessas condições, os astronautas poderiam morrer congelados. E essa era apenas uma das muitas perspectivas de morte que tinham pela frente. O grande desafio era trazer a nave, já quase sem combustível, de volta para casa. Com uma precisa descarga de jato do módulo lunar, os tripulantes da Apollo 13 conseguiram desviar a nave da órbita da Lua e, ao mesmo tempo, usar o puxão gravitacional do satélite para impulsioná-la na direção da Terra. Chama-se a isso de efeito estilingue.
Veio então a maior dificuldade. Sem motores para chegar até a Terra, os astronautas estavam na situação de quem pilota um carro pela estrada com um cobertor tapando o pára-brisa. Havia dois riscos. O primeiro era entrar na atmosfera terrestre numa posição frontal, o que faria com que a nave pegasse fogo e os astronautas morressem cremados em segundos. A outra possibilidade era entrar num ângulo excessivamente aberto, para evitar a fricção com o ar. Nessa hipótese, a nave ricochetearia na atmosfera e se perderia para sempre no espaço. Os cálculos feitos em Terra pelos engenheiros da Nasa e a habilidade da tripulação resultaram numa manobra bem-sucedida e todos se salvaram.
Quase três décadas mais tarde, um novo resgate aconteceria no espaço. Foi em junho de 1997, quando uma nave-cargueiro russa de 7 toneladas chocou-se com a estaçãoorbital Mir. A batida provocou despressurização, destruiu um dos painéis de energia solar, abriu um buraco num dos módulos da estaçãoe cortou cabos de energia. Estabelecidas as condições normais, a equipe composta pelo americano Michael Foale e dois astronautas russos foi resgatada e voltou à Terra em segurança poucos meses depois.
Carne humana A intensidade dramática desses resgates faz deles candidatos naturais a roteiros de filmes, livros e documentários de sucesso. O acidente com a Apollo 13 virou superprodução de cinema estrelada por Tom Hanks, em 1995. Outro resgate histórico transformado em livro e filme foi o dos jovens uruguaios sobreviventes de um acidente aéreo na Cordilheira dos Andes. Em outubro de 1972, um avião da Força Aérea uruguaia, que levava uma equipe colegial de rúgbi para um jogo em Santiago, no Chile, bateu com a asa no pico de uma montanha e deslizou vários quilômetros no gelo até parar a 4 500 metros de altitude. Ali teve início um drama que durou 71 dias e custou a vida de 29 passageiros.
Sob uma temperatura que variava entre 10 e 20 graus negativos, eles dormiram em meio a cadáveres e corpos mutilados e, na ausência total de comida, recorreram à carne dos companheiros mortos para continuar a viver. Escondidos na vertente de um vulcão, um lugar quase inacessível, suas chances de resgate eram remotas. Dois sobreviventes conseguiram andar 70 quilômetros na neve até encontrar um tropeiro chileno e pedir ajuda. Três dias depois, quando já se dava como certo o completo desaparecimento do avião, os helicópteros de salvamento conseguiram encontrar e resgatar os outros catorze sobreviventes.

