O apocalipse não precisa de asteróide

O apocalipse não precisa de asteróide
MAURÍCIO TUFFANI
Editor-assistente de Ciência

"Armageddon" não é um filme rigoroso nos aspectos científicos, o que não é inédito para os que são convencionalmente enquadrados no gênero ficção científica.Para não fugir à regra, o filme possui desde abordagens consequentes, como a da inconveniência de atacar um asteróide próximo à Terra com um míssil de ogiva nuclear (tema de estudo publicado na revista britânica "Nature" em 4 de junho);, a supremos disparates, como o lançamento simultâneo e lado a lado de dois ônibus espaciais. Poderia dar num acidente espacial de trânsito ou numa dupla explosão na rampa.Mas há coisas mais graves que desvarios científicos, muitas vezes feitos para justificar o script. É o caso do "esclarecimento" no filme sobre a causa da extinção dos dinossauros há cerca de 65 milhões de anos _o impacto de um asteróide_, pano de fundo de uma lógica predatória do planeta.O filme omite que essa explicação catastrofista é uma hipótese não-comprovada, apesar de viável. Ela se contrapõe a uma outra, gradualista, segundo a qual lentas e profundas mudanças ambientais inviabilizaram a existência dos dinossauros. Uma ótima abordagem sobre o debate entre catastrofistas e gradualistas está no livro "O Fim da Evolução", de Peter Ward (ed. Campus);.Sintomaticamente, o personagem vivido por Bruce Willis despreza ecologistas _ridicularizados no filme_ e não dá a mínima para o gradual emporcalhamento do mar causado pela sua plataforma de exploração de petróleo. No mundo ameaçado pelo aquecimento global, ele encarna o tipo de herói útil apenas contra as súbitas ameaças catastróficas externas. Perigos internos, fora os espiões comunistas, nunca foram interessantes para Hollywood.Como já disse o físico Marcelo Gleiser, a humanidade não precisa de ameaças do espaço para chegar ao apocalipse.