De olho no céu

De olho no céu
Brasil e Estados Unidos constroem até 2002 o Soar, um telescópio de alta potência localizado no norte dos Andes chilenos
RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

O futuro da astronomia no Brasil começa na próxima sexta-feira, às 11h (horário de Brasília);, em uma cerimônia em Cerro Pachon, uma montanha nos Andes no Chile.Será o lançamento da pedra fundamental do telescópio Soar, que, quando ficar pronto em 2002, permitirá aos cientistas brasileiros e estrangeiros pesquisar em um equipamento de primeira linha, o primeiro de alta resolução de imagem do Hemisfério Sul.E, ao mesmo tempo, o Soar ajudará a resolver algumas das questões mais difíceis da astronomia, que nem mesmo o telescópio espacial Hubble conseguiu responder. É o caso do nascimento das galáxias e da busca de planetas ou embriões de planetas em outros sistemas solares.O novo telescópio terá capacidade de fazer esses estudos porque tem algumas vantagens em relação ao Hubble, graças a um desenvolvimento recente da tecnologia.O Soar se vale de descobertas no campo da chamada "óptica adaptativa", que corrige as distorções da luz que passa pela atmosfera. Foi justamente por causa dessa distorção que o Hubble foi projetado para ficar sobre a atmosfera.Novos avanços técnicos, notadamente na computação, permitem sanar esses problemas em telescópios em terra.Além disso, o Soar também conta em seu projeto com o princípio da "óptica ativa", um modo de medir a deformação térmica do espelho e corrigi-la.Só nos últimos dez anos, se percebeu o impacto da flutuação de temperatura no funcionamento dos telescópios. Os novos modelos atuam com controle térmico total, não só do espelho, mas também do próprio domo, a cobertura hemisférica que abriga o equipamento.Nascimento de galáxiasA lente do Soar tem 4m de diâmetro, contra 1,6m do telescópio brasileiro de Pico dos Dias, em Brasópolis, em Minas Gerais.Observar o nascimento de galáxias é algo que o novo telescópio deverá conseguir graças principalmente à sua capacidade de enxergar a faixa do infravermelho no espectro de radiação da luz, diferentemente do Hubble.Os cientistas calculam que as galáxias surgiram cerca de 1 bilhão de anos depois do Big Bang, a grande explosão que deu início ao Universo.Mas a radiação que vem dessa época é muito fraca e está na faixa do infravermelho, um tipo de luz não visível para o olho humano.Para observar objetos desse tipo, um telescópio precisa ter resolução grande (uma boa qualidade de imagem); e observar uma área vasta.Soar é sigla para Southern Observatory for Astronomical Research (Observatório Meridional para Pesquisa Astronômica);.O projeto é financiado por instituições do Brasil e dos EUA, e dele depende a continuação da pesquisa em astronomia no país, pois os equipamentos hoje em uso estão obsoletos."Hoje temos 11 cursos de mestrado e cinco de doutorado em astronomia no país e a área está em expansão. Em mais cinco anos, ou se tem algo como o Soar ou os programas ficam paralisados", diz João Steiner, pesquisador do Instituto Astronômico e Geofísico da USP e diretor do LNA (Laboratório Nacional de Astrofísica);, o órgão que gerencia a participação brasileira no projeto.Outros projetosOs outros membros do consórcio são a Universidade do Estado de Michigan, a Universidade da Carolina do Norte e o Observatório Nacional de Astronomia Óptica, todos nos EUA.O Brasil arca com 30% dos custos do Soar, estimados em US$ 28 milhões para ser construído e mais US$ 14 milhões para 20 anos de operação.Com isso, os pesquisadores brasileiros terão direito a 30% das horas de observação do telescópio.O Brasil também é sócio minoritário na construção de dois telescópios maiores, de lentes de oito metros de diâmetro, um também em Cerro Pachon e outro no Havaí, o chamado Projeto Gemini.Um fica no Hemisfério Sul e outro no Norte porque não é possível observar todo o céu em apenas uma dessas localizações.Esses dois telescópios gêmeos custarão US$ 176 milhões, dos quais US$ 4,4 milhões pagos pelo Brasil. Os outros sócios do Gemini são Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Chile e Argentina.Com essa participação, os brasileiros terão direito a, em média, 16 dias de observação por ano (ou 2,5%);. O Gemini Norte ficará pronto em dezembro deste ano, e o Sul deverá estar terminado em janeiro do ano 2000.Apesar de menor, o telescópio de lente de 4m também será um aparelho utilíssimo, pois nem todo estudo astronômico exige um equipamento tão grande quanto os gêmeos de lentes de 8m.